quinta-feira, 28 de abril de 2011

“A Casa de Deus Caiu”

 Lembrando do dia que caiu a estrutura do teto da igreja Renascer em São Paulo, eu estava pensando nas pessoas vitimadas no acidente. O que dizer às pessoas que foram acidentadas e as famílias que perderam seus parentes?  Eu particularmente fico sem palavras.
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A igreja evangélica copiando da tradição católica romana, sacralizou o templo enfatizando sempre aos seus membros que essa estrutura de cimento é a casa de Deus. Os membros devem estar na casa Dele porque é ali que o senhor vai abençoar a vida dos que dali participam.
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Analisando primeiro a questão das diversidades de segmentos evangélicos e a grande divergência entre as várias denominações, é necessário que o deus destas casas seja também fragmentado para poder conciliar tanta briga e julgamento do tipo: A igreja do fulano é fria, a outra denominação é carnal, a outra é mundana, se for calvinista, está incitando seus membros ao pecado porque dizem: salvação não se perde, o pentecostal diz que o Batista tradicional é frio, as igrejas neo pentecostais sem ética, sem preparo dos pastores, dando mau testemunho e divisão por todos os lados. Onde está a casa de Deus? Para mim, só isso, já seria o suficiente para deixar Deus livre destas casas, e não mais coloca-las como referência desse encontro, porque essas casas parecem mais casas da mãe Joana de que qualquer outra coisa.

Vamos negar o que a Bíblia diz: “Deus não habita em templos feito por mãos de homens”, vamos negar o que Jesus disse: “nem em Jerusalém e nem no monte se adoraria o Senhor” acabando com qualquer geografia?
A igreja é a casa do deus do espírito religioso, mas não é, nem casa de Deus e nem referência de culto, senão para aqueles que alimentam esse espírito. As influências dessa perversão são sutis mas extremamente alienadora. As pessoas acreditam nesses líderes que manipulam as suas consciências, prendendo essa gente a esse grande esquema religioso que só visa dinheiro, interesses pessoais desses líderes e a vaidade que faz com que Nabucodonosor seja fichinha diante dessa gente.
A minha consolação é que essas pessoas não são esquecidas pelo verdadeiro Deus, que está acima de todas essas referências e que a verdadeira casa de Deus como diz a Bíblia somos nós, “voz sois casa de Deus, colunas do templo, pedras vivas, habitação de Deus, morada de Deus”. Ele sabe que no mundo estamos sujeitos a todas as coisas, mas aquele que está em Cristo não pode morrer porque já passou da morte para a vida.
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É preciso dizer uma coisa: usando da importância que a igreja evangélica da aos templos. Era melhor que as pessoas não fossem a “casa de deus” porque não teriam morrido e se ferido. Como explicar um deus onde exatamente no horário de culto permite que o local onde o povo é abençoado venha abaixo? Que tipo de bondade e amor é esse? Deus não tem o controle nem sobre sua casa? Se fossem falar sobre alguma punição a igreja por causa dos pastores estarem presos lá nos Estados Unidos, eu perguntaria: Não poderia cair quando estivesse vazia?

Meus amigos e irmãos em Cristo. A Igreja de Deus não cai porque ela não tem teto para cair, ela não tem geografias, caminha sem poder ser identificada pelos homens. Igrejas instituídas nascem, se corrompem, se dividem, algumas acabam, outras se vendem a Mamom, outras são totalmente divididas internamente, outras valorizam aqueles que tem dinheiro e desprezam os mais pobres. Resumindo são todas falidas.
Acredito nas pessoas que se reúnem ali na igreja Renascer e em outras igrejas, mas tenho muitas restrições a igreja instituída como um todo. Acredito no que a Bíblia diz: “sai dela povo meu”. Saia desse grande sistema de alienação que não só corrompe a verdadeira comunhão com Deus como nos afasta da verdadeira espiritualidade.
Que Deus possa consolar as famílias da igreja renascer, e possa trazer cura e livramento as vítimas dessa tragédia.
Nele,
Em quem as portas do inferno não prevalecerão contra a sua Igreja.
Wagner

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Carta de um apóstolo a seu bispo

Paulinho, apóstolo pela unção do mover dos últimos dias, líder na prosperidade e na conquista, a Timmy, verdadeiro filho na obediência a tudo o que digo, e que nada tem a dizer em contrário, pois sabe que Deus fere a quem mexe com um ungido do Senhor — fé e obstinação neste ano de Elias e de Gideão, conforme a fé de Abraão, e o poder dos 318 na Fogueira Santa de Israel.

Quando eu estava de viagem, rumo à Disney, roguei que permanecesses ainda em São Paulo para admoestares a certas pessoas, a fim de que não ensinem outra doutrina, nem se ocupem com sites sobre a Graça, que, antes, promovem discussões do que o serviço de nossa causa.


Ora, o intuito da presente admoestação visa levar todos ao temor e ao medo, ajudando-os a abandonarem suas próprias consciências a fim de seguirem apenas a nossa.

Desviando-se algumas pessoas de nossa Visão de prosperidade, quebra de maldiçoes, células e moveres, perderam-se em loquacidade frívola, pretendendo passar por mestres de uma “outra Visão de Deus”, não compreendendo, todavia, nem o que dizem, nem os assuntos sobre os quais fazem ousadas asseverações, dizendo que estamos contra o que Jesus ensinou.

Sabemos, porém, que a Visão é boa, se alguém dela se utiliza de modo safo, tendo em vista que não se promulga a Visão para quem é lúcido de espírito, mas sim para gente fraca, infeliz, pagã de mente, cheia de tragédias, e, sobretudo, para todos quantos não se opõe à Visão Apostólica (que se sintam culpados o suficiente para fazerem o que mandamos), segundo o mover que recebemos, e do qual fui encarregado pelos Apóstolos do Brasil.

Sou grato para com aquele que me deu a Visão, que me considerou fiel, designando-me para o ministério,da expropriação indébita e da catividade dos homens, pois, se vão dar de dinheiro para alguma coisa, que seja então para nós, em cujas mãos o dinheiro terá bom uso.

A mim, que, noutro tempo, era frio, crente, amante da Palavra, mas pobre e derrotado, me foi dada a Visão.

Transbordou, porém, a PROPSERIDADE DE DEUS, e foi me deixando cada vez mais rico, conforme a fé de Abraão e as correntes de prosperidade que fiz.

Fiel é a palavra de DETERMINAÇÃO e digna de toda aceitação: que nós, os da Visão Apostólica, recebemos de Jesus Cristo o poder de falar e vermos as coisas acontecerem conforme o nosso COMANDO.

Mas, por esta mesma razão, me foi concedida a fé para prevalecer sobre os outros e ver meu ministério maior e mais poderosos, visto que de nada adianta a eternidade sem muito poder, dinheiro e fama no tempo presente.

Assim, ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos, por meio de nossa prosperidade e poder sobre os homens. Amém!

Este é o dever de que te encarrego, ó filho Timmy, segundo as profecias de que antecipadamente foste objeto: combate, firmado nelas, o bom combate, que é arrancar dos ímpios a grana deles, até o fim; isso mantendo a determinação, pois, essa coisa de boa consciência é para crente à antiga, não para nós, que, pela Visão, fomos postos acima dessas coisas básicas; posto que os que não fazem como nós fazemos, estarão sempre sem prosperidade ministerial e na vida pessoal.

E dentre esses se contam Caio, Brega, Marcelo, Chico e outros; os quais entreguei a Satanás para serem castigados, a fim de não mais blasfemarem contra a Visão.

Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de correntes, de campanhas, de dias especiais de prosperidade em favor exclusivamente dos que, indo, sempre deixam dinheiro para a Visão.

Não se esqueça que nossa prioridade é conquistar o Brasil, tendo os governadores, deputados, presidentes e demais autoridades em nossas mãos; sim, todos os que se acham investidos de autoridade; para que vivamos vida rica e abastada, ainda que percamos a piedade e o respeito.

Isto é bom e aceitável diante de mim, que sou o Pai da Visão.

Ora, é meu desejo que todos os homens sejam envolvidos em nossos grupos e células, até que todos sejam como eu e conforme o nosso Curso Acerca da Visão e dos Moveres.

Porquanto há uma só Visão e uma só mediadora entre Deus e os homens, a nossa Visão e a freqüência às nossas campanhas e Fogueiras Santas; a qual, a Visão, tem o poder de fazer todos os homens ficarem ricos, e assim, darem mais para nós. .

Para isto fui designado Profeta e Apóstolo (afirmo a verdade, não minto), mestre dos crentes inseguros na fé e na verdade (melhor público alvo para nós!).

Quero, portanto, que os homens dêem muito, enquanto levantam as mãos nos cultos, ainda que com ira e animosidade.

Da mesma sorte, que as mulheres, em traje de peruas, se ataviem com opulência, com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, sem esquecer de darem esmolas para as creches fantasmas que criamos (como é próprio às mulheres que professam ser da Visão).

A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão, pois o que lhe cabe é contribuir; a menos que ela venha a tornar-se uma Bispa da Visão.

Fiel é a palavra: se alguém aspira ao episcopado, excelente obra almeja; pois, por meio dele, pode-se ficar rico e poderoso.

É necessário, portanto, que o bispo seja malandro, safo, aparentando ser esposo de uma só mulher, destemperado, expansivo, capaz de se gabar da Visão, sem muita sensibilidade, apto para enganar; dado ao vinho pra esquentar antes de entrar no palco, violento se necessário, porém com cara de bonzinho; ainda que goste de contendas, seja avarento. É muito importante, todavia, manter as aparências, por isto, ele deve ser alguém que mostre governar bem a própria casa, criando os filhos na igreja e na Visão, com toda a aparência de coisa boa (pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da minha igreja e da minha Visão?); que seja jovem a fim de impressionar, pois há grande poder na soberba de um jovem imaturo e cheio de cobiça conforme o espírito de nossa Visão.

Também é necessário que ele tenha bom testemunho dos de fora como comunicador e homem de marketing, a fim de dar volta até no diabo. Ou seja, Timmy: procuramos camelôs que percebam a vantagem da Visão!

Escrevo-te estas coisas, esperando ir ver-te em breve; para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a porta da Visão da Prosperidade.

Ora, em nossa conferencia da Visão determinamos expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, seguindo a Graça de Deus, a qual, não existe como eles falam, sendo apenas algo liberado por um Apóstolo credenciado por mim, o Pai da Visão.

Eles agem assim pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência, que proíbem as correntes santas, as barganhas, o lucro vindo dos dízimos, coisas que Deus criou para nós, os da Visão; pois todo dinheiro é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável, nem que antes se tenha dar uma lavada nele, porque, pelas nossas campanhas e projetos, até o dinheiro do tráfico é santificado.

Expondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro da Visão, alimentado com as palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido.

Mas rejeita as fábulas profanas e de gente que vem com aquela velha história da Graça de Deus. Exercita-te, pessoalmente, no orgulho, nas riquezas, na vida abastada e poderosa; pois, elas sim, têm grande proveito.

Pois o exercício na Palavra, como eles dizem, para pouco é proveitoso, mas as campanhas da Visão para tudo são proveitosas, porque tem a promessa da vida próspera aqui e agora.

Fiel é a Visão e digna de inteira aceitação.

A Prosperidade, a riqueza, os poderes humanos sejam contigo aqui e agora!


Eu, Paulinho, abençôo-te com a minha unção de nobreza, para que tua cara seja mais forte que o diamante, a fim de que, questionado, tu nunca desistas da Visão de Prosperidade e Riqueza que aprendeste de mim.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A difícil passagem do tecnozóico ao ecozóico

As grandes crises comportam grandes decisões. Há decisões que significam vida ou morte para certas sociedades, para uma instituição ou para uma pessoa.
A situação atual é a de um doente ao qual o médico diz: ou você controla suas altas taxas de colesterol e sua pressão ou vai enfrentar o pior. Você escolhe.

A humanidade como um todo está com febre e doente e deve decidir: ou continuar com seu ritmo alucinado de produção e consumo, sempre garantindo a subida do PIB nacional e mundial, ritmo altamente hostil à vida, ou enfrentar dentro de pouco as reações do sistema-Terra que já deu sinais claros de estresse global. Não tememos um cataclisma nuclear, não impossível mas improvável, o que significaria o fim da espécie humana. Receamos isto sim, como muitos cientistas advertem, por uma mudança repentina, abrupta e dramática do clima que, rapidamente, dizimaria muitíssimas espécies e colocaria sob grande risco a nossa civilização.

Isso não é uma fantasia sinistra. Já o relatório do IPPC de 2001 acenava para esta eventualidade. O relatório da U.S. National Academy of Sciences de 2002 afirmava “que recentes evidências científicas apontam para a presença de uma acelerada e vasta mudança climática; o novo paradigma de uma abrupta mudança no sistema climático está bem estabelecida pela pesquisa já há 10 anos, no entanto, este conhecimento é pouco difundido e parcamente tomado em conta pelos analistas sociais”. Richard Alley, presidente da U.S. National Academy of Sciences Committee on Abrupt Climate Change com seu grupo comprovou que, ao sair da última idade do gelo, há 11 mil anos, o clima da Terra subiu 9 graus em apenas 10 anos (dados em R.W.Miller, Global Climate Disruption and Social Justice, N.Y 2010). Se isso ocorrer consosco estaríamos enfrentando uma hecatombe ambiental e social de conseqüências dramáticas.

O que está, finalmente, em jogo com a questão climática? Estão em jogo duas práticas em relação à Terra e a seus recursos limitados. Elas fundam duas eras de nossa história: a tecnozóica e a ecozóica.

Na tecnozóica se utiliza um potente instrumental, inventado nos últimos séculos, a tecno-ciência, com a qual se explora de forma sistemática e com cada vez mais rapidez todos os recursos, especialmente em benefício para as minorias mundiais, deixando à margem grande parte da humanidade. Praticamente toda a Terra foi ocupada e explorada. Ela ficou saturada de toxinas, elementos químicos e gases de efeito estufa a ponto de perder sua capacidade de metabolizá-los.

O sintoma mais claro desta sua incapacidade é a febre que tomou conta do Planeta.

Na ecozóica se considera a Terra dentro da evolução. Por mais de 13,7 bilhões de anos o universo existe e está em expansão, empurrado pela insondável energia de fundo e pelas quatro interações que sustentam e alimentam cada coisa. Ele constitui um processo unitário, diverso e complexo que produziu as grandes estrelas vermelhas, as galáxias, o nosso Sol, os planetas e nossa Terra. Gerou também as primeiras células vivas, os organismos multicelulares, a proliferação da fauna e da flora, a autoconsciência humana pela qual nos sentimos parte do Todo e responsáveis pelo Planeta. Todo este processo envolve a Terra até o momento atual. Respeitado em sua dinâmica, ele permite a Terra manter sua vitalidade e seu equilíbriio.

O futuro se joga entre aqueles comprometidos com a era tecnozóica com os riscos que encerra e aqueles que assumiram a ecozóica, lutam para manter os ritmos da Terra, produzem e consomem dentro de seus limites e que colocam a perpetuidade e o bem-estar humano e da comunidade terrestre como seu principal interesse.

Se não fizermos esta passagem dificilmente escaparemos do abismo, já cavado lá na frente.


Leonardo Boff

terça-feira, 12 de abril de 2011

Resista à tentação de pertencer a um grupo


Em geral as pessoas estão acostumadas a interagir em espaços proprietários (fechados), não em redes (abertas). Não estão abertas à interação com o que chamei de outro-imprevisível. Por isso fazem escolas, erigem igrejas, urdem corporações e partidos e servem à instituições hierárquicas (sejam sociais, estatais ou empresariais). E, às vezes, seu quadradinho é um espaço proprietário virtual, um blog ou uma página no Facebook.

Mesmo quando se aventuram a fazer redes, as pessoas, em geral, organizam grupos proprietários, estabelecem contextos que separam quem está dentro de quem está fora, criam sulcos que acabam disciplinando a interação por meio de regras (muitas vezes tácitas, mas não por isso menos efetivas), de um glossário próprio (pelo qual ressignificam os termos que usam recorrentemente gerando algum tipo de jargão) não importando para nada se esta “wikipédia” (ou “contextopedia”) privada está ou não publicada em um site aberto ou fechado; enfim, fazem tudo para promover o seu grupo – às vezes chamado de comunidade – à condição de instância mais estratégica do que as demais (os outros ambientes em que interagem, inclusive as mídias sociais onde se registram). Este é um dos motivos pelos quais sua interação nesses outros ambientes é, em geral, tão pouco intensa ou tão pouco frequente. Pudera! Seu tempo está tomado pelo seu próprio grupo (seja uma organização da sociedade formal ou informal, seja um órgão estatal, seja uma empresa).

E o mais interessante é que, muitas vezes, essas pessoas estão convencidas intelectualmente de que devem se organizar em rede. Não raro denominam de redes suas organizações hierárquicas ou seus grupos proprietários. Não estão – em sua maioria – mentindo ou fazendo propaganda enganosa. Elas acreditam mesmo que suas organizações sejam redes, desde que seus membros estejam convencidos (ou “tenham consciência”) de que agora entramos na era das redes (por algum motivo elas acham que consciência é algo capaz de determinar comportamentos coletivos).

Chega a ser fascinante observar como essas pessoas não conseguem viver fora do seu quadrado. E como racionalizam tal aprisionamento lançando mão das mais variadas teorias sociológicas sobre grupos (a sociologia vem aqui, não raro, como um socorro contra a política, como uma proteção contra a experiência direta de uma política não-autocrática). Ah! é difícil, como é difícil se atirar na correnteza quando é tão mais fácil construir diques e ficar boiando na tranquilidade da represa!

Pois bem. Tudo isso – que já foi dito e repisado, por mim e por outros, nos últimos dois anos – me leva agora a refletir sobre o seguinte: se quiserem realmente tecer redes as pessoas não devem se agregar a outras pessoas em grupos proprietários, comunidades exclusivas, inner circles, bunkers para se proteger do mundo exterior ou outras formas de organização constituídas na base do “cada um no seu quadrado”. Sim, pode parecer surpreendentemente contraditório, à primeira vista, dizer o que vou dizer agora:

Se você quer fazer redes, resista a tentação de pertencer a um grupo.

Se você se deixa capturar por um grupo ou se põe a capturar outras pessoas para um grupo (que seja considerado – ou funcione como, dá no mesmo – o seu grupo), então você terá imensas dificuldades de interagir em rede de modo mais distribuído do que centralizado. Se você quer, porque acha que precisa, porque sente, às vezes desesperadamente, a vontade de se juntar a outras pessoas para executar algum projeto coletivo, compartilhar com elas suas ideias, seus sonhos (e também suas ansiedades), somar esforços, apoiar e receber apoio praticando a ajuda-mútua dentro de um campo de cumplicidade, enfim, constituir um grupo e coesioná-lo a partir de uma visão comum, de um “falar a mesma língua”, de uma sintonia fina de sentimentos e emoções, então se prepare para fazer o mais difícil: matar essa vontade!

Simplesmente mate essa vontade. Se preciso, vá para o deserto e passe um tempo lá. Se você já está conectado a outras pessoas, por que diabos quer também forçar uma clusterização que selecionará a priori algumas conexões como mais fortes do que outras, alguns caminhos como mais válidos do que outros, alguns planos feitos intra muros (quer dizer, dentro daquele clusterzinho que foi urdido antes da interação) como mais estratégicos do que outros?

Não há qualquer problema em se reunir com muitos grupos para propósitos diversos, públicos ou privados, interagir em vários aglomerados, atuar coletivamente em várias instâncias. O problema só surge quando você faz tudo isso não a partir de você mesmo, mas sempre a partir de um grupo que encara os demais ambientes coletivos como campo de atuação (e uma atuação inevitavelmente tática, mesmo quando você proteste o contrário) desse grupo.

Trabalhar em rede distribuída é diferente de trabalhar num grupo proprietário, numa organização nuclear que compartilha uma visão comum e exige essa visão comum para continuar interagindo. Na verdade, o problema está na construção de mundos baseados na participação.

Portanto, se você quer experimentar redes (mais distribuídas do que centralizadas), nada de grupo participativo, nada de chegar a algum formato com base em participação. Redes não são ambientes de participação e sim de interação. Não temos que decidir o que todos farão em bloco. Vamos interagir e ver o que acontece. O formato final de qualquer ação coletiva será sempre uma combinação fractal, emergente, de certo modo inédita e imprevisível, das contribuições de cada um.

Em outras palavras, se você quer fazer redes não pode esquecer jamais uma coisa: você é uma pessoa. Paulo Brabo (2007), em um texto que não me canso de citar, escreveu assim:
A primeira coisa a fazer, se você ainda não fez, é desiludir-se por completo de todas as iniciativas comunitárias ou governamentais, por mais bem intencionadas que sejam, e raramente são. Esqueça, meu caro discípulo, o coletivo. A salvação não virá de ongs ou ogs, Gogues ou Magogues, poderes ou potestades. A salvação não virá de igrejas, assembleias, organizações de bairro, sindicatos, asilos, orfanatos ou campanhas de assistência. As ongs têm a tremenda virtude de não serem governamentais, mas contam com a imperdoável falha de serem organizações. Repita comigo: as instituições não existem. Só existem pessoas.
É claro que é necessário entender o contexto confessional (ou teologal) em que Brabo escreveu sua bela homilia herética e fixar-se nas suas mensagens centrais: desiluda-se por completo das iniciativas comunitárias, esqueça o coletivo, reconheça a imperdoável falha das organizações (aquela que deriva do fato de serem organizações) e convença-se de que as instituições não existem: só existem pessoas.
Fale como uma pessoa. Seja uma pessoa. Não aja como se fosse um grupo, um projeto, uma organização (nem mesmo tuite como se fosse uma coletividade abstrata). Uma pessoa jurídica é uma pessoa imaginária (ou seja, uma não-pessoa). A vida gastou 3,9 bilhões de anos e as coletividades humanas formadas pela convivência gastaram uns 300 mil anos para constituírem essa tão surpreendente quanto improvável realidade que somos (o humano, a pessoa: o encontro fortuito do simbionte natural em evolução com o simbionte social em prefiguração) e na hora em que vamos nos apresentar a alguém, sobretudo a alguma coletividade, temos vergonha de dizer que somos “apenas” uma pessoa e preferimos declarar que estamos representando alguma dessas organizações vagabundas que, em média, não conseguem sobreviver mais do que poucos anos e que, além de tudo, são não-humanas, quando não desumanas.

Mas… atenção! Pessoa não é o mesmo que a abstração chamada indivíduo. Redes sociais não são redes de indivíduos e sim de pessoas. O conjunto dos pensionistas do previdência social não constitui uma rede social, assim como não constitui uma rede social a população de um país. O social, como sempre dizemos, não é a coleção dos indivíduos e sim as configurações móveis geradas a partir do que ocorre entre eles (que, então, deixam de ser indivíduos para passar a ser pessoas). Quando interagimos, tornamos-nos pessoas. Assim, pessoa já é rede.

Se você não tem liberdade para interagir nos seus próprios termos, como uma pessoa, se você diz: “vou consultar primeiro meu chefe ou meus companheiros” antes de decidir sobre isso ou aquilo, então sua porção-borg cresce e sua porção-social diminui. Em outras palavras, sua porção-rebanho cresce e sua porção-pessoa diminui. Em outras palavras, ainda: você perde um pouco daquela qualidade da alma que chamamos de humanidade.

Se você se define como participante de qualquer grupo, quer dizer, restringe suas possibilidades de interagir para se enquadrar nos termos já estabelecidos por outrem (ou, até, por você mesmo, porém antes da interação), então você terá muitas dificuldades de entender, experimentar e atuar em rede (distribuída).

Toda realização em rede distribuída é um projeto que vai se construindo à medida que avança, que vai se formando ao sabor de fluzz, que vai gerando ordem a partir – e no ritmo – da interação. Em tal contexto é desnecessário, a rigor, combinar antes o script. É inútil – e frequentemente contraproducente – mobilizar energia para direcionar um grupo.

Se você quer fazer redes, nada de formar uma comunidade que vá além do seu propósito específico e declarado (como se fosse um comunidade de destino). Não existe ‘a’ comunidade: existem múltiplas, diversas, comunidades. Se você acha que existe aquela comunidade que é ‘a’ comunidade (porque é “a sua”, a escolhida, a predestinável), é sinal de que você se deixou aprisionar por um grupo (às vezes uma prisão que você mesmo engendrou). E aí não vão tardar a surgir aquelas manifestações horríveis de pertencimento exclusivo, de fidelidade… Mesmo que você aceite o direto de uma pessoa de abandonar uma comunidade, isso não basta. É necessário aceitar o direito de uma pessoa de pertencer a várias comunidades ao mesmo tempo! Ou seja, é necessário desconstituir a cultura (ou quebrar a linha de transmissão de comportamento) do “cada um no seu quadrado”.

Você já notou que este direito não é reconhecido nas organizações hierárquicas, mesmo nas privadas, como os partidos e as empresas? Nas empresas esse direito só existe para os donos ou acionistas. Quando lhe pagam um salário, é como se dissessem: “comprei você e agora você é meu; nada de transar fora do meu quadrado”.

Se você quer fazer redes, nada de alinhar visões. Na maioria das organizações burocráticas, sejam sociais, empresariais ou governamentais, o tempo das pessoas é gasto em reuniões para alinhamento (ou seja, agrupamentos forçados para discutir como realizar melhor as diretivas estabelecidas por cima ou por fora da sua interação). Mal saem de uma reunião os “colaboradores” (um eufemismo empresarial para empregados, quer dizer, subordinados) já entram em outra reunião. E assim passam o dia: entre o computador, o banheiro, o café e as indefectíveis reuniões. Revela-se óbvio o motivo de tais reuniões: são ambientes de direcionamento voltados à reprodução de comportamentos, são campos de adestramento, são artifícios para proteger as pessoas da experiência de empreender, de criar, de inovar.

Se você quer fazer redes, nada de virar escola, nem mesmo escola de pensamento. As comunidades ditas de livre adesão, em sua maioria, são algum tipo de escola de pensamento, ou de igreja, ou de corporação, ou de partido, ou de alguma coisa que exija que você adote e professe uma visão coletivamente construída para pertencer ao grupo e poder falar em seu nome. Mas se você quer fazer redes, nada de criar coesões que separem os de dentro dos de fora.
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Estar em rede é sempre uma aposta: a aposta de que da nossa interação desorganizada vai surgir algo interessante, não antes, no ensaio (“a vida é beta”, como diz o Silvio Meira), mas sobretudo ali, na hora exata em que ocorre, bottom up.


Paulo Brabo