No século passado, Karl Marx e Sigmund Freud representavam duas grandes ameaças contra a religião. Marx afirmava que a igreja serve a interesses ideológicos de controle político e de subjugação econômica. Freud, por sua vez, percebia os mecanismos infantilizantes da religião quando sacerdotes projetam em Deus nosso desejo por um pai perfeito. Para ele, a prática religiosa condena homens e mulheres a viverem como eternas crianças, sempre precisando de intervenções sobrenaturais para enfrentar as agruras da vida.
É preciso dar a mão à palmatória. Os dois leram as instituições religiosas dos seus dias corretamente, principalmente a cristandade. Desde Constantino, o apelo do poder mostrou-se arrasador e irresistível nas igrejas. Infelizmente, os ensinos do Nazareno foram usados para autenticar o expansionismo imperialista e colonialista dos grandes impérios que se auto-proclamaram cristãos. Padres, pastores e bispos se vestiram como a grande prostituta do Apocalipse e se entregaram por qualquer preço. Monarcas beijaram anéis episcopais enquanto obrigavam seus donos a lamberem suas botas.
Assim, os mercadejadores do templo precisaram distribuir ópio religioso para poderem fazer vista grossa e abençoar inúmeras carnificinas – dos Tsares russos ao Batista cubano; das aventuras ensandecidas de Isabel espanhola às dos Bush, pai e filho.
A adoração do “Deus provedor” ocidental deu razão a Freud, que denunciava os recintos religiosos como incubadoras de oligofrênicos. O proselitismo missionário foi feito, em grande parte, precisando de uma espiritualidade funcional. Na tentativa de mostrar a superioridade de Jeová sobre as demais divindades, criou-se um fascínio por milagres. “Nosso Deus funciona”, clamaram os evangelistas por séculos. Desse modo, o sobrenatural passou a ser compreendido como uma intervenção legitimadora daquele que é o verdadeiro “dono do pedaço”. Assim, os crentes viciados em milagres se condenaram à freudiana dependência infantil.
Em minha opinião, só seria possível resgatar a mensagem de Jesus Cristo, caso a religião abrisse mão de suas hierarquias institucionais, demitisse elites, democratizasse o acesso a Deus, e esvaziasse os rituais da função de serem técnicas para se obter bênçãos. É importante que repensemos a fé, seguindo o exemplo de Jesus que viveu sem precisar de milagres e morreu sem apelar para os anjos. Iguais a ele, precisamos viver sem os cabrestos da religião e sem as intervenções de Deus.
Concordo com John Hick em “Evil and the God of Love” (New York, Harper & Row; London, Mcmillan, 1966, p. 317)
“Ao criar pessoas finitas para amar e serem amadas por ele, Deus precisa dotá-las com certa autonomia relativa quanto a si mesmo”. Mas como pode uma criatura finita, dependente do Criador infinito quanto à sua própria existência e a cada poder e qualidade do seu ser, possuir qualquer autonomia significativa em relação a esse Criador? A única maneira que podemos imaginar é aquela sugerida pela nossa situação efetiva. Deus precisa colocar o homem à distância de si mesmo, de onde ele então pode vir voluntariamente a Deus.
Mas como algo pode ser colocado à distância de alguém que é infinito e onipresente? É óbvio que a distância espacial não significa nada nesse caso. O tipo de distância entre Deus e o homem que criaria certo espaço para certo grau de autonomia humana é a distância epistêmica. Em outras palavras, a realidade e a presença de Deus não devem se impor ao homem de forma coercitiva como o ambiente natural se impõe à atenção deles.
O mundo deve ser para os homens, pelo menos até certo ponto, etsi deus non daretur, “como se Deus não existisse”. Ele precisa ser cognoscível, mas apenas por um modo de conhecimento que implique uma resposta livre da parte do homem, consistindo essa resposta em uma atividade interpretativa não-compelida através da qual experimentamos o mundo como realidade que media a presença divina”.
Uma nova igreja precisa se desvincular de seu fascínio pelo poder, qualquer um: político, econômico, militar ou espiritual. Repito, urge que homens e mulheres construam sua humanidade, sendo sal da terra e luz do mundo, sem necessitar de repetidos socorros celestiais.
[Ricardo Gondim]
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Jesus o Nosso Exemplo na Peregrinação
A vida de Jesus foi uma peregrinação. O Evangelho de Lucas a apresenta literalmente como peregrinação (Lc 9,51), mas os outros o mostram da mesma maneira sem expressá-lo explicitamente. Jesus anda de povoado em povoado, percorrendo a Galiléia e subindo para Jerusalém, onde termina a peregrinação. No seu povo, a peregrinação a Jerusalém era parte fundamental da religião. Jesus toma também o caminho de Jerusalém, ainda que com outro projeto.
O que há na peregrinação que inspira a esperança?
Pela peregrinação faz-se à inversão do movimento religioso tradicional antigo. Passa-se do ter para o ser. Nas religiões antigas a pessoa acorre à divindade para receber. Trabalha, reza e viaja para receber. A sua preocupação é ter mais e a busca de Deus tem também por objeto o ter mais.
Na peregrinação o viandante não percorre o caminho para receber. No final do trajeto não recebe nada, mas é uma pessoa diferente. Torna-se nova pessoa. A caminhada faz com que se transforme. Caminhando, o peregrino aprende a aproveitar tudo sem se apegar a nada, torna-se livre, aberto ao mundo e aos outros, menos apegado a si mesmo e mais entregue aos outros. Ele se torna despreocupado e vai adquirindo a qualidade de que fala Jesus quando alude aos lírios do campo.
Essa é uma imagem da esperança, que não tem por objeto receber e nem considera a vida eterna como um ter ou uma posse de bens exteriores a si mesmo. Na vida eterna não ambiciona nada, a não ser a plenitude do ser humano __ ‘plenitude humana’ simplesmente como ser. A cada dia o peregrino vai avançando e se torna mais humano, porque menos proprietário, mas afastado de toda propriedade. Por isso Jesus condena o dinheiro. Ser cristão não sintoniza como ser proprietário.
Na peregrinação não há nenhuma aquisição de propriedade. Mas, a cada dia a pessoa se sente mais ela mesma, mais forte, mais atenta, mais receptiva. Torna-se mais capaz de olhar, observar, ouvir e escutar. No caminho há o encontro com muitas pessoas, e cada uma delas vai fazendo com que o peregrino se torne mais humano __ a abertura aos outros o torna mais humano.
Na sua andança Jesus não busca nem adquire nada, mas encontra outras pessoas, oferece o que pode dar, aceita olhar, ouvir, escutar os outros que o chamam. Cada dia ele se mostra mais humano, menos proprietário e mais entregue aos que encontra no caminho. Olha para o mundo que descobre, ao contrário do proprietário que olha para sua propriedade.
Qual é o objeto da esperança? Ser outro: ser mais amor, ser mais livre, puramente humano, sem qualificativos. Os seres humanos se definem pela origem, pela família, pelas posses, pelo poder, pelas capacidades. O peregrino não busca isso __ quer simplesmente ser mais humano a cada dia que passa, amar mais, sem nada de propriedade. Chega ao ponto final da sua peregrinação. Não tem mais nada e não vai receber nada, perdeu até os últimos bens que podia ter __ por exemplo, os seus companheiros. Mas atinge o ponto máximo da liberdade e do amor na afirmação do caminho de salvação até a morte. A última etapa da peregrinação é a morte vivida como abertura para a plenitude
Teologia da Mesa
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Sensualize sua Espiritualidade
Sensualizar. Tornar(-se) sensual.
Sensual. Relativo aos sentidos ou aos órgãos dos sentidos.
Em primeiro lugar, que a pessoa que se deparava com Jesus nos seus dias “mortais” não era impactada de qualquer modo direto ou natural pelo teor desses passos. São necessários observação e algum treinamento intelectual para abstrair-se a partir do que sabemos do comportamento de Jesus fórmulas gerais como “faça o que os outros não esperam” (segundo passo) e “viva inteiramente inserido no seu mundo” (quarto passo). E Jesus, como se sabe, impactou de forma transformadora gente que teve muito pouco tanto de uma coisa quanto de outra: pessoas pouco instruídas e pouco armadas de recursos intelectuais, muitas das quais estiveram com ele por pouco mais do que alguns minutos.
Não ocorreria aos que seguiam Jesus de um vilarejo a outro articular a postura dele com o vocabulário intelectual que temos adotado: era afinal de contas muito visível que o próprio Jesus não o fazia. Ao contrário dos gnósticos que apropriaram-se do seu nome nos anos que se seguiram, Jesus recusava-se a ensinar que a salvação estivesse relacionada a algum conhecimento específico sobre o mecanismo de Deus, do universo ou mesmo da salvação. Na verdade, parte essencial da originalidade do pensamento do Filho do Homem está na sua ênfase de que não há qualquer mérito no conhecimento intelectual, e que o acesso ao favor de Deus não depende de modo algum dele.
Concluo que, qualquer que seja o esquivo cerne da mensagem do Filho do Homem, seria heresia pensar ou sugerir que esteja em alguma dos pontos que temos discutido. Os “passos” que analisamos até aqui são abstrações, meras tentativas intelectuais de representar a realidade. Por mais radicais e originais que pareçam, são uma forma de teologia e por essa razão necessariamente limitados, contendo em si mesmos a semente de sua contradição.
Jesus, ao contrário de nós, jamais cedeu às tentações da teologia, do método, da exposição linear. Não só isso (o que parecerá para alguns ainda mais singular): ele recusava-se a credenciar até mesmo o discipulado da forma como o concebemos, tendo dito mais vezes “vá para a sua casa” do que “venha me seguir”.
Onde então se escondia o cerne mais essencial do método e da missão do andarilho de Nazaré? De que forma Jesus tocou gente que não tinha tempo ou bagagem para saber interpretar o que ele estava dizendo?
A resposta acabo de dar. Jesus tocou gente.
Para seguirmos o que penso ser o traço mais singular e essencial do caráter do Deus dos evangelhos é preciso que aprendamos a sensualizar a nossa espiritualidade. É preciso que passemos a procurar a espiritualidade no mundo sensorial, no mundo real, o mundo da experiência e dos sentidos. É preciso que passemos a ver nosso relacionamento com Deus e nossa participação no seu Reino como algo que diz respeito ao que é palpável e material, ao mundo da pele, da carne e do sangue.
Vivemos como cristãos esmagados por uma obsessão espiritualizante. Lemos a Bíblia, mas mantemos os olhos fechados para a revelação a que as narrativas dos evangelhos parecem dar maior ênfase – que, incrivelmente, inquietantemente. Jesus exercia (e portanto enxergava) a sua espiritualidade na esfera do toque, da visão, da companhia, da presença, do sabor, da voz, dos elementos, da comida, da natureza, do abraço.
A nota central dos evangelhos está em que Deus fez-se, assombrosamente, carne. Submeteu-se voluntariamente ao sangue, ao envelhecimento, ao suor, à bílis, aos gases, à urina, ao sêmen, à saliva, às fezes. Submeteu-se ao hálito de outros, ao toque de estranhos, ao abraço de amigos, ao açoite de antagonistas.
Deus fez-se carne. Em absoluto contraste com ele, tudo que fazemos como cristãos, tudo com que nos ocupamos e rotulamos de espiritualidade, é para disfarçar a carne que somos. Jesus aprendeu a viver na carne e mostrou notável desenvoltura dentro dela; em contraste com ele, sentimos que a carne nos incomoda, nos constrange, nos envergonha.
A carne é embaraçosa. O fato de vivermos constantemente sujeitos à doença, à fome, à dor, à solidão, à decrepitude, ao ciclo digestivo, à morte e outras vergonhas inerentes à nossa condição pode produzir em nós uma implacável ojeriza contra a carne. Nosso escape para esse fastio, somos levados comumente a crer, está na espiritualidade convencional – espiritualidade que é forjada para demonizar o corpo e seus embaraços e pregar que Deus só pode ser experimentado nas esferas supostamente superiores da mente, do escape da realidade, dos olhos fechados, da privação dos sentidos.
De fato cremos que o momento espiritual acontece enquanto o orgão está tocando; a pizza que virá depois não é espiritual. Orar antes de dormir é espiritual, levar o lixo para fora não. O côro de anjos é espiritual, a roda de samba não. Dar o dízimo é espiritual, oferecer a alguém um chiclete não. Ler a Bíblia para o velho cego é espiritual, dar-lhe banho não. A vida devocional dos namorados é espiritual, seu beijo não.
Jesus, estou crendo, apostaria no contrário em cada um desses casos. Estou cada vez mais convencido, com Jacques Ellul, que a revolução espiritual é mais material, mais palpável em seu caráter do que qualquer outra.
Jesus não ignorava os embaraços da doença, da fome, da dor, da solidão, da decrepitude, da morte, do ciclo digestivo; muitos desses atingiram-no em cheio na própria carne. Ao contrário de nós, no entanto, Jesus não buscava refúgio dessas coisas num mundo dos espíritos à prova de constrangimentos. Ele não caía na tentação da espiritualidade convencional e isso, aparentemente, é o que mais teimamos em não aprender com ele.
Jesus fazia o trajeto precisamente contrário ao nosso, avançando com galhardia em direção à experiência dos sentidos, tendo dedicado a maior parte de sua atividade neste mundo ao esforço de minimizar os constrangimentos produzidos em pessoas de carne pela fome, pela doença, pela dor, pela decrepitude, pela solidão.
Jesus tratava primordialmente com corpos, não com espíritos.
No que pode nos parecer escandaloso, Jesus deixava claramente a impressão de que estava tratando primordialmente com corpos, não com espíritos. Ele tinha histórias para contar, verdades a ensinar e revelações espetaculares para fazer, mas seu dia-a-dia e sua agenda permaneciam entranhados no domínio do corpo e da experiência dos sentidos – de pessoas que precisavam de cura, de pessoas que precisavam de comida, de pessoas que precisavam andar, de pessoas que precisavam de sexo, de pessoas que precisavam de visão, de pessoas que precisavam de companhia, de pessoas que precisavam de trabalho, de pessoas que precisavam de dinheiro, de pessoas que não queriam morrer.
O Filho do Homem não apenas recusou o ascetismo de João Batista, ele ensinou da maneira mais espetacular que Deus é encontrado e vivido no reino das pequenas coisas, no domínio vulgar da carne e dos sentidos. O Deus encarnado era um homem que bebia vinho, que assava peixe, que colhia figos, que tocava leprosos, que cuspia na terra e fazia lodo, que colocava a mão no prato de molho, que pedia água, que deixava uma mulher massagear-lhe os pés, que deixava um homem recostar-se no seu peito, que sentia medo e dor e sangrava e podia morrer.
Nossa satânica fantasia como cristãos é passarmos pelo mundo à margem de todas essas coisas, desencarnados como fantasmas, vivendo momentos de espiritualidade em número suficiente para redimir os constrangimentos que nos impingem o corpo e os sentidos. Não queremos de modo algum enfrentar o terrível embaraço de que somos feitos de carne e osso.
Tentamos a todo custo escapar daquilo que a Bíblia não esconde em página alguma: que a carne é essencialmente animal. Preferiríamos não ter admitir, avançados que somos na comunhão divina e na experiência do Espírito, que não somos menos animais do que uma barata, um lêmure ou uma sucuri.
“O Verbo se fez carne” traduz-se por “Deus fez-se animal”; nós, se tivéssemos escolha, apagaríamos por completo a porção corpo/carne/sentidos da nossa experiência. Sentimos que se isso acontecesse estaríamos finalmente livres para desfrutar da espiritualidade plena. Adiamos a nossa espiritualidade definitiva para quando acontecer.
* * *
Esta hesitação em abraçar a carne é, naturalmente, antiga na história do impacto da persuasão de Jesus sobre as pessoas. A carne de Jesus representou grave escândalo tanto para judeus quanto para gregos, as duas grandes facções do mundo atingidas pela boa nova no tempo dos primeiros cristãos.
Para os romanos, devidamente adestrados pelos gregos, o escândalo essencial da boa nova de Jesus não era a divindade ter morrido na cruz a fim de resgatar a alma. Deuses que encarnavam e expiações tendo em vista a redenção do espírito eram lugar-comum nas religiões de mistério muito antes do cristianismo entrar em cena. O escândalo não era, tampouco, o espírito de Jesus ter sobrevivido gloriosamente à morte. Sócrates, via Platão, já havia se desdobrado para demonstrar por A + B que a alma humana é eterna e impermeável à morte.
O impensável, para gregos e romanos, estava no fato do corpo de Deus ter sido redimido: o fato de Jesus ter adentrado a glória em forma corpórea, prometendo o mesmo destino aos seus seguidores.
Na visão de mundo greco-romana o espírito era uma chama imortal desgraçadamente presa dentro de um vaso mortal. Para os gregos, o espírito era puro e inefável, o corpo impuro e irredimível; o espírito era bem-intencionado e puxava o homem para o alto, o corpo era corrupto e puxava o homem para baixo; o espírito era por definição indestrutível, e o destino mais honroso a que a carne podia aspirar era a dissolução.
Imbuídos dessa convicção, os atenienses ouviram muito interessados o discurso do Apóstolo no Areópago, até que Paulo mencionou a ressurreição do corpo – ponto em que perceberam que a doutrina daquele sujeito não merecia mais do que zombaria e desprezo. Aqueles esclarecidos atenienses, mais ou menos como nós, não criam que houvesse no corpo e na carne qualquer coisa com vocação à redenção ou à eternidade.
Já para os judeus, que viam a carne como obra de Deus e criam na redenção futura do corpo e da criação, o escândalo estava em ver Deus confinado aos limites da sua própria obra – como um dramaturgo que condescende em descer ao palco, um pintor que rebaixa-se voluntariamente a pincelada. O que era ainda pior: esse homem que sugeria ser a encarnação de Deus repudiava o ascetismo (popularmente associado à espiritualidade) e abraçava o mundo dos sentidos com exuberância, com paixão, com vertiginoso ardor. Atracava-se a gente, consertava corpos, alimentava estômagos, lavava pés, beijava seus amados, tremia de tensão e de exaustão, não recuava diante da mais constrangedora e sensorial manifestação de afeto. Que Deus se rebaixasse a homem já era bastante ruim; que o homem-Deus se refestelasse na carne – que afirmasse a carne ao invés de negá-la, era afronta terrível.
Dois mil anos depois cá estamos nós, nem judeus nem gregos mas algo infinitamente menos acabado, aspirando petulantemente a seguir os passos empoeirados do Filho do Homem – o impensável “Deus conosco”, o encarnado, o Deus que assumiu “condição de homem”.
E que fazemos? Com recato estúpido, pecaminoso e contraproducente negamos hoje a carne de Jesus e a nossa. Os mesmos cristãos que recusam-se a admitir a possibilidade de descenderem do macaco não trazem à mente que Deus em Jesus conformou-se, disparatadamente, à condição de primata.
Queremos que as pessoas “conheçam Jesus” através da assimilação intelectual do nosso discurso, e nunca pelo intercâmbio de caminhadas e pelo choque custoso entre corpos. Não queremos de modo algum traficar com a carne, porque não queremos que Deus trafique através dela. Esquecemos, miseravelmente, que a natureza divina de Jesus não estava escondida na sua carne. Estava manifesta nela.
Essa nossa infantil negação da carne nos torna, entre outras coisas, companhia insuportável para todos ao nosso redor, e ainda para nós mesmos. Vivemos como se a espiritualidade (como se a verdadeira vida!) fosse terreno exclusivo do incorpóreo e do intelectual – da oração, da devocional, da meditação, do discurso, da leitura. Fora raras exceções determinadas por um emocionalismo arbitrário, não conseguimos ver nenhuma espiritualidade num abraço, numa caminhada pela praia, num jogo de cartas, numa escalada, num café, numa churrascada, numa flor, num pedaço de pão, na mão de um amigo, numa dor de dente, nas pessoas que estão com você na casa de praia.
Isso enquanto o testemunho do homem-Jesus proclama em altos brados, de sua pedra de escândalo do Novo Testamento, que não há exceções à universal santidade das relações da carne com o universo. Deveríamos andar descalços todo o tempo, pois somos terra santa.
Jesus não apenas tolerou a carne. Ele não apenas rebaixou-se à carne e por certo não aboliu: Jesus a redimiu.
Somos constantemente ensinados sobre a importância de morrer e ressuscitar como Jesus, mas – ai de nós – não há quem nos ensine a encarnar.
Paulo Brabo
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
O Fundamentalismo Cristão
O fundamentalismo cristão admite a Bíblia como única autoridade para suas doutrinas e costumes. Afirma a autoridade exclusiva da Bíblia, sustentando que é a Palavra de Deus no sentido estrito do termo: provem diretamente de Deus, portanto livre de todo erro e de todo condicionamento. Para o fundamentalista, Bíblia, revelação e Palavra de Deus são sinônimos.
Para o fundamentalista, a afirmação da absoluta e da total inerrância e infalibilidade da Bíblia é de capital importância. Disso dependem em sua opinião, a autoridade de Bíblia e sua total confiança nela e, em última instância, em Deus mesmo.
Quando se admite que a Bíblia contém erros – argumentam -, então não merece nossa total confiança como norma suprema, e não podemos estar seguros do que Deus quer de nós e para nós. Para o fundamentalista, o texto da Bíblia é a única norma objetiva (por ser escrita) que ele aceita, e essa norma vem de Deus mesmo, que a “ditou” aos escritores. Visto que tem Deus como seu autor, a Bíblia não pode ter erro algum, também, em matéria de história e ciência. Essa é a tese “fundamental” sobre a qual repousa a estrutura doutrinária do fundamentalismo.
Na realidade no entanto, o fundamentalismo não parte da Bíblia mesma, embora afirme insistentemente que o único fundamento é a Bíblia. De fato parte de uma idéia a respeito da Bíblia: a idéia de que a Bíblia é o que foi “ditado” por Deus, portanto, livre de todo erro possível, e de que é a palavra de Deus dirigida a ele e que é inalteravelmente válida como está escrita, para todos os séculos.
Obviamente, para o fundamentalista, sua interpretação da Bíblia a única válida e legítima, e, portanto, toda outra interpretação tem de ser errônea.
O fundamentalismo, que é característico de certos ramos do protestantismo, e que se encontra em alguns “círculos de estudo Bíblico”, é eminentemente doutrinário a partir de seu fundamento, e não permite o questionamento crítico. Esta seguro no compreender a Bíblia corretamente e de possuir a verdade, que é incapaz de escutar ou de ler estudos críticos sobre a Bíblia (a menos que o líder aprove), desqualificando-os como ímpios, racionalistas, prejudiciais para a fé.
Qualquer questionamento é imediatamente rejeitado com a acusação que se está negando que a Bíblia é a Palavra de Deus. O fundamentalista é simplesmente incapaz de discutir a respeito da Bíblia. Lê a Bíblia como um manual de doutrinas, especialmente éticas, e estas são válidas para todos os tempos. E por isso mesmo, não leva em conta questões de gênero e composição literário, de situações históricas e culturais, de tradições orais e etc.
Não está consciente (ou nega) que se trata de um texto literário composto na antiguidade. Quando se trata de uma narração tende a entende-la como história, sem distinguir mito, lenda, saga, epopéia. Em poucas palavras, o fundamentalista crê que sua interpretação da Bíblia corresponde a sua intenção original, que é a de Deus, não a dos homens e por isso, rejeita toda interpretação que seja produto de estudos críticos.
O fundamentalista não admite que tenha havido evolução, aprofundamento, adaptação da Palavra de Deus, quer dizer, não admite a tradição como processo de interpretação e de atualização (de vida!). Passa diretamente de Deus (autor) ao texto e deste ao presente, como se tivesse sido escrito ontem e aqui. O fundamentalista crê que suas idéias (ocidentais de hoje) são iguais às dos escritos bíblicos (palestinos).
Bíblia Sem Mitos
Pense e reflita
Wagner
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