segunda-feira, 21 de março de 2011

O desenho e seu nome


Antes que uma pessoa nasça, Deus pega o pincel com o qual desenhou o mundo e derrama sobre o peito da pessoa, que é ainda uma página em branco, um número indeterminado de pingos aleatórios de tinta. Assim, cada pessoa que nasce traz no peito uma figura arbitrária, sempre diferente em cada indivíduo, um desenho dado por Deus mas não interpretado por ele.

No decorrer dos seis primeiros anos de vida, a partir do que sente, do que experimenta e do que entende do mundo, cada pessoa decide o que vê no misterioso desenho traçado no seu próprio peito, dando assim um nome ao que não tinha nome. Essa interpretação – independentemente do desenho em si – será o seu mito pessoal, a chave essencial que irá defini-lo como indivíduo e guiar sua história por toda a sua vida.

Quando desperta da infância a pessoa já esqueceu tanto o desenho quanto sua interpretação, e perdeu o acesso direto ao seu mito pessoal. Embora seja constantemente conduzida por ele, a pessoa recebe do seu mito apenas sinais confusos e repletos de ruído, que assombram-na em sonhos tanto no sono quanto na vigília.

A primeira tarefa no caminho rumo à maturidade é redescobrir o seu mito pessoal, isto é, recuperar o acesso à interpretação que cada um deu na infância ao desenho gravado no seu próprio peito. A pessoa descobrirá assim de que história faz parte, qual é seu papel nesta história e como mudá-lo ou apropriar-se dele. Esta é a chave que abre a porta do inconsciente, e feliz de quem vence o seu próprio mito e apropria-se do rumo da sua história; quem reconcilia-se com o mito livrando-se dele, antes de abraçá-lo. Este nasceu de novo e receberá a pedrinha branca, símbolo da individuação que ousou empreender, e na pedrinha estará gravado o desenho que já esteve gravado no seu peito, o desenho que é uma interpretação e também uma palavra e também um nome, e que Deus não ousou proferir antes de você.


Paulo Brabo

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