quarta-feira, 26 de maio de 2010

Etica e espiritualidade face a situações-limite de vida e de morte



Estamos em tempos de transversalidade dos discursos, buscando convergências nas diversidades, em benefício da qualidade humana, espiritual e cívica dos seres humanos.

Hoje temos consciência clara sobre o limite e o alcance da medicina e da lei com referência ao complexo problema dos doentes terminais e da morte. Pessoalmente estimo que essa questão, lógico, comporta dimensões científicas, técnicas e jurídicas mas também nos remete a questões de natureza cultural e filosófica: qual a imagem que temos do ser humano? Que visão projetamos da vida cuja compreensão mais profunda vem sendo elaborada no interior das ciências biológicas, da moderna cosmologia e de uma compreensão ampliada do do processo da evolução ascendente? Uma nova ótica provoca uma nova ética.

1. O cuidado: essência concreta do ser humano Sobre isso gostaria de refletir no sentido de levar avante a discussão com a eventual contribuição da filosofia, nomeadamente da ética. Gostaria de articular a reflexão ao redor do tema do cuidado, tão essencial à vida, especialmente à vida humana em seu limite extremo de doença e de morte.

A ética do cuidado é conatural aos médicos e enfermeiros e também aos promotores do direito e da justiça na sociedade. No meu livro Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela Terra tentei vertebrar um pensamento que acolhesse essas questões e as aprofundasse no arco de uma visão mais arquitetônica, própria da filosofia e da ética. Parti de uma conhecida fábula de Higino, um filosófo escravo egípcio-romano, na aparece claramente que a essência do ser humano não reside tanto no espírito e na liberdade, quanto no cuidado.

O cuidado significa uma relação amorosa com a realidade. Importa um investimento de zelo, desvelo, solicitude, atenção e proteção para com aquilo que tem valor e interesse para nós. Tudo o que amamos tambem cuidamos e vice-versa. Pelo fato de sentirmo-nos envolvidos e compromeitos com o que cuidamos, cuidado comporta também preocupação e inquietação.

O cuidado constitui a plataforma real que possibilita as demais dimensões do humano emergirem. Sem ele não guardariam sua característica humana. Martin Heidegger em seu Ser e Tempo dedica alguns dos mais profundos parágrafos a essa visão do cuidado essencial, como a natureza concreta do ser humano no mundo com os outros. Devido à sua essencialidade, dizia Horácio, o poeta romano, “o cuidado nos acompanha como uma sombra ao largo de toda a vida”. Tudo aquilo que fizermos com cuidado significa uma força contra a entropia, contra o desgaste, pois prolongamos a vida e melhoramos as relações com a realidade.

A crise da cultura mundial reside na falta de cuidado, falta clamorosa no tratamento das crianças e dos idosos dos eco-sistemas, das relações sociais e de nossa própria profundidade. É o cuidado que salvará o amor, a vida e nosso esplendoroso planeta Terra.

Na Carta da Terra, documento elaborado ao longo de 8 anos, envolvendo as bases da sociedade e o melhor do pensamento ecológico, político e ético de 46 países e implicando mais de 200 mil pessoas, visando garantir o futuro do Planeta e da humanidade e recentemente acolhido pela UNESCO, nesta Carta, o eixo estruturador é a ética do cuidado. Para vocês da medicina e da enfermagem, essa assunção não significa nenhuma surpresa, pois, como disse e repito, o cuidado é a essência da atitude curativa dos operadores da saúde. Já no século passado emergia poderosamente essa perspectiva do cuidado com a famosa enfermeira inglesa Florence Nightingale. Ela deixou a Inglaterra e foi tratar, sob a ótica do cuidado, os soldados feridos na violenta guerra da Criméia. Em seis meses conseguiu reduzir de 42% a 2% a mortandade entre os soldados feridos. De volta organizou toda uma rede de hospitais que davam centralidade ao cuidado. Deu origem a uma corrente de pensamento e de ética na enfermagem, articulada ao redor do cuidado, hoje muito forte nos Estados Unidos e no mundo inteiro.

Particularmente a partir dos anos 70 começou a se discutir a ética da enfermagem utilizando a categoria cuidado . Aí aparecia o cuidado como a aura benfazeja que deve impregnar a investigação científica e a utilização do aparato tecnológico. Estes não devem ser subestimados nem relativizados em nome do cuidado. Antes, devem servir à atitude de cuidado pois só então servem à integralidade dos pacientes a serem curados ou acompanhados em sua grande travessia da morte. Cuidado (âmbito mais da enfermagem) e cura (âmbito da medicina) devem andar de mão dadas, pois representam dois momentos simultâneos de um mesmo processo. Frequentemente somos confrontados com a situação penosa de doentes terminais. A medicina contemporânea tem condições de prolongar por muito tempo a vida, mesmo no âmbito de situações-limite e para além de qualquer espectativa de reversibilidade. Há situações que comportam grande dor dos pacientes e gastos altíssimos para a família que quase vai a falência no afã de garantir o tratamento de seus familiares terminais. Como atuar em casos deste gênero? Prolongar a todo custo a vida ou deixar que ela siga o seu curso rumo à morte?

Tive a oportunidade de acompanhar a grande travessia de uma das mais brilhantes inteligências brasileiras e cristãs, o Dr. Alceu Amroso Lima (Tristão de Athaide) no hospital Santa Teresa de Petrópolis. Ele foi durante toda a vida um paladino da liberdade, especialmente nos tempos de chumbo da ditadura militar. Com seus mais de 90 anos e sob muitos achaques, padecia ligado a muitos aparelhos e a tubos. Num dado momento de distração dos enfermeiros, arrancou tudo e se libertou. Criou-se um impasse para cuja solução fui convidado a opinar. Tratava-se de ligar ou não ligar aqueles aparelhos todos para permitir ao Dr. Alceu prolongar por um pouco mais a vida? Suspeitando do impasse, ele me sussurou ao ouvido: “eu lutei a vida inteira pela liberdade e não quero morrer sob ferros como um escravo, isso não é digno, deixem-se morrer em paz”.

Foi o que eu disse ao corpo médico: “respeitem o curso natural da vida do Dr. Alceu, porque a vida é mortal e ela precisa ser respeitada em sua qualidade de mortal. Ademais, o Dr. Alceu é um cristão profundamente convicto na vida eterna; a doença não lhe tira a vida, ele a entrega Aquele de quem a recebeu, a Deus; deixem-no morrer como quer, em plena liberdade”. E assim foi feito. E morreu com a aura de um liberto. Essa atitude significa também cuidado para com a natureza da vida, em sua finitude e mortalidade.

2.Uma compreensão mais complexa do ser humanoEssas pequenas referências nos suscitam a questão que gostaria de rapidamente abordar no contexto das duas conferências aqui feitas: qual a compreensão do ser humano que preside nossas práticas terapêuticas? Façamos um ensaio de reflexão filosófica.

Antes de mais nada importa enfatizar que o ser humano constitui uma totalidade extremamente complexa. Quando dizemos “totalidade” significa que nele não existem partes justapostas. Tudo nele se encontra articulado formando um todo orgânico. Quando dizemos “complexa” significa que o ser humano não é simples, mas a sinfonia de múltiplas dimensões que coexistem e se interpenetram. Dentre muitas discernimos três dimensões fundamentais do único ser humano, dimensões que ocorrem sempre juntas e articuladas entre si: a exterioridade (corpo), a interioridade (mente) e a profundidade (espírito).

Essa consideração holística nos propicia uma visão mais integrada que beneficia a medicina e a enfermagem em sua missão de cura...

A exterioridade do ser humano é tudo o que diz respeito ao conjunto de suas relações com o universo, com a natureza, com a sociedade, com os outros e com sua própria realidade concreta. Ela ganha densidade especial através do cuidado, já referido anteriormente. Sem o cuidado eles não sobrevivem nem se desenvolvem. Por isso importa ter cuidado para com o ar que respiramos, com os alimentos que consumimos/comungamos,com a água que bebemos,com a roupas que vestimos e com as energias que vitalizam nossa corporeidade. Normalmente se chama essa dimensão de corpo. Mas bem entendido: corpo como o ser humano todo inteiro, vivo, dotado de inteligência, de sentimento,de compaixão, de amor e de êxtase enquanto se relaciona para fora e para além de si mesmo.

A interioridade do ser humano vem constituída por tudo o que é voltado para dentro e diz respeito ao universo interior, tão complexo quanto ao universo exterior. A interioridade humana se constela ao redor do consciente e do inconsciente pessoal e coletivo. Por isso não é jamais vazia mas habitada por instintos, paixões, imagens poderosas, arquétipos ancestrais e principalmente pelo desejo. O desejo constitui, possivelmente, a estrutura básica da interioridade humana. Sua dinâmica é ilimitada. Como seres desejantes, nós humanos não desejamos apenas isso e aquilo. Desejamos tudo e o todo. O obscuro e permanente objeto do desejo é o Ser em sua totalidade. Tentação permanente consiste em identificar o ser com alguma de suas manifestações. Quando isso ocorre, surge a fetichização que é a ilusória identificação da parte com o todo, do absoluto com o relativo. O efeito é a frustração do desejo e o sentimento de irrealização. O ser humano precisa sempre cuidar e orientar seu desejo para que, ao passar pelos vários objetos de sua realização, não perca a memória bemaventurada do único grande objeto que o faz realmente descansar: o Ser, a Totalidade e a Realidade fontal. A interioridade é chamada também de mente humana. Novamente mente , bem entendida, como a totalidade do ser humano voltado para dentro, captando seu dinamismo interior e também as ressonâncias que o mundo da exterioridade provoca dentro dele.

Por fim, o ser humano possui profundidade. Ele possui a capacidade de captar o que está além das aparências, daquilo que se vê, se escuta, se pensa e se ama com os sentidos da exterioridade e da interioridade. Ele apreende o outro lado das coisas, sua profundidade. As coisas todas não são apenas coisas. São símbolos e metáforas de outra realidade que está sempre além e que nos remete a um nível cada vez mais profundo. Assim a montanha não é apenas montanha. Ela traduz o que significa majestade. O mar, a grandiosidade. O céu estrelado, a infinitude. Os olhos profundos de uma criança, o mistério da vida humana.

O ser humano coloca questões fundamentais que estão sempre presentes em sua agenda: de onde viemos, para onde vamos, como devemos viver? Que significa a doença e finalmente a morte? Como preservar o mundo que nos sustenta? Quem somos nós e qual a nossa função no conjunto dos seres? Que podemos esperar e qual nome dar ao mistério que subjaz a todo o universo e que reluz em cada coisa à nossa volta? Ao balbuciar respostas a estas questões vitais captamos valores e significados e não apenas constatamos fatos e enumeramos acontecimentos.

Na verdade, o que definitivamente conta não são as coisas que nos acontecem. Mas o que elas significam para a nossa vida e que experiências e visões novas nos propiciam. As coisas, então, passam a ter caráter simbólico e sacramental: nos recordam o vivido, nos reenviam a questões mais globais e, a partir daí, alimentam nossa profundidade.

Colocar questões fundamentais e captar a profundidade do mundo, de si mesmo e de cada coisa constitui o que se chamou de espírito. Espírito não é uma parte do ser humano. É aquele momento pleno de nossa totalidade consciente, vivida e sentida dentro de outra totalidade maior que nos envolve e nos ultrapassada: o universo das coisas, das energias, das pessoas, das produções histórico-socias e culturais. Pelo espírito captamos o todo e a nós mesmos como parte e parcela deste todo.

Mais ainda. O espírito nos permite fazer uma experiência de não-dualidade. “Tu és isso tudo” dizem os Upanishads da India, referindo-se ao universo. Ou “tu és o todo” dizem os yogis. “O Reino de Deus está dentro de vós” proclama Jesus. Estas afirmações nos remetem a uma experiência vivida e não a uma doutrina. A experiência é de que estamos ligados e re-ligados uns aos outros e todos à totalidade e à sua Fonte Originante. Uma fio de energia, de vida e de sentido perpassa a todos os seres, constituindo-os em cosmos e não em caos, em sinfonia e não disfonia.

A planta não está apenas diante de mim. Ela está também dentro de mim, como ressonância, símbolo e valor. Há em mim uma dimensão planta, bem como uma dimensão montanha, uma dimensão animal, e uma dimensão Deus. Sentir-se espírito não consiste em saber estas coisas. Mas, em vivenciá-las e fazer delas conteúdo de experiência. Quando isso ocorre, emerge a não-dualidade e a profunda sintonia com todas as coisas. A partir da experiência tudo se transfigura. Tudo vem carregado de veneração e sacralidade. Não estamos mais sós, centrados em nosso antropocentrismo ou em nossa visão utilitarista das coisas. Fazemos parte da imensa comunidade cósmica. Sentimo-nos mergulhados no fluxo de energia e de vida que empapa todo o universo e a natureza à nossa volta.

3. A morte como inteligente invenção da vidaÉ nesse contexto que importa colocar o tema da morte. O sentido que damos a vida é o sentido que damos a morte e o sentido que damos à morte é o sentido que damos à vida. A morte pertence a vida e a vida pertence ao mistério, àquele processo misterioso de auto-organização da matéria que permite a vida eclodir, em sua imensa diversidade.
A vida, como todas as coisas, é mortal. Quando alguém é concebido já é suficientemente velho pra morrer. Começa a morrer devagar, em prestações e vai morrendo cada dia um pouco até acabar de morrer.

Então a morte não vem no fim da vida, a morte está no coração da vida. Acolher a morte como parte da vida, significa tratar diferentemente a vida, acolher sua finitude e suas limitações, sem amargura e ressentimento, mas com jovialidade e sentido de realidade. Numa perspectiva evolutiva e holística a morte é considerada uma sábia invenção da própria vida, para poder continuar num outro nivel mais alto e realizar seu propósito de expansão do cuidado, do amor e da liberdade.

A morte não é entendida como um fracasso ou como uma dissolução mas como um dos momentos da própria vida, tal o momento de nascer, o momento de ficar adulto, o momento das grandes decisões, o momento de casar e outros. Assim a morte significa um momento alquímico de uma grande transformação, da grande travessia para um novo estado de consciência e de realização do projeto infinito que é cada ser humano. Na metáfora brilhante do Dr. Paulo César, a morte deixa de ser “fantasma escondido debaixo da cama” para se transformar na irmã que vem nos tomar pela mão e nos conduzir para uma forma mais complexa e mais alta de vida. Assim pensou e viveu S.Francisco de Assis que morreu literalmente cantando e saudando a irmã morte.

Essa concepção de vida e de morte foi historicamente trabalhada pelas religiões. Elas apresentam um sentido derradeiro para o ser humano, uma cura total de sua ânsia de infinito e de vontade de viver. Para um médico humanista, tais concepções devem ser tomadas a sério, porque elas atuam poderosamente sobre os pacientes no sentido de integrarem os sofrimentos e os medos face ao imponderável da grande travessia. Eles querem ser acompanhados pela presença humana, calorosa e solidária e não abandonados nas UTIs entregues à parafernália tecnológica. Assim como entramos no mundo cercados pelo carinho humano, queremos também nos despedir dele circundados dos cuidados e da benquerença dos familiares e dos amigos.

4. Atitude ética básica face a situações terminaisPara concluir minhas reflexões, gostaria de apresentar alguns pontos acerca das atitudes a se tomar face a doentes terminais.
Como somos responsáveis pela nossa vida assim devemos ser responsáveis também pela nossa morte.

Como temos direito a uma vida digna da mesma forma temos direito a uma morte digna. Esse direito muitas vezes nos é negado pelo fato de sermos obrigados a ficar presos a aparelhos e medicamentos que nos prolongam a vida no sentido meramente vegetativo, o que é insuficiente para a integralidade da vida minimamente humana.

A vida é o melhor fruto do universo como auto- organização da matéria e, numa perspectiva espiritual, o maior dom de Deus. Mesmo assim, a vida cái sob a responsabilidade dos seres humanos. Somos responsáveis pelo comêco da vida e também responsáveis pelo fim da vida.
Outrora, a teologia moral cristã condenava o planejamento familiar, pois imaginava, erroneamente, que era uma intromissão no desígnio divino de colocar vidas no mundo. Hoje, todas as igrejas entendem que Deus colocou à responsabilidade do ser humano o começo da vida. Também o fim da vida foi entregue à sua responsabilidade (não à sua arbitrariedade).

Não cabe ao estado assumir a função de decidir quando uma vida dever prolongada ou não. O eugenismo nazista nos alerta contra essa tentação. Cabe ao próprio ser humano, mortalmente doente, decidir de forma qualificada sobre o prolongamento ou não de seu estado irreversível. Na sua impossibilidade ocupam o seu lugar os familiares e os médicos. Isso implica:

- O médico fará tudo para curar o paciente. Não significa que use todos os métodos, meios artificiais e técnicos para prostergar a morte.

- Uma terapia só tem sentido quado se ordena à reabilitação e à restituição das funções essenciais e vitais e não simplesmente garantir uma vida vegetativa.

- O cuidado pelo doente não deve ser apenas coisa dos médicos e enfermeiros, mas também dos familiares, dos conselheiros espirituais (sacerdotes, pastores, rabinos, pais de santo etc), dos amigos próximos.

- Devem ser tomadas em consideração as crenças religiosas e espirituais do paciente com referência ao sentido da vida e da morte. Caso contrário lhe fazemos violência, sempre, entretanto, no pressuposto de que a vida é o bem supremo em nome do qual nenhuma visão, ideologia ou convicção religiosa contrária, possa prevalecer. Para o cristianismo - a religião das maiorias de nosso povo - a morte não é um fim puro e simples, mas um peregrinar para a Fonte originária de toda vida. Morrendo, acabamos de nascer. Não vivemos para morrer, mas morremos para ressuscitar e para viver mais e melhor. Destarte a morte perde seu caráter de brutal interrupção do ciclo da vida para se transfigurar numa passagem benaventurada para a plenitude da vida.

- Morrer é fazer uma despedida da vida, de forma agradecida, por aquilo que ela nos propiciou. Morrer é então fechar os olhos para ver melhor o sentido do universo e do Mistério que o circunda e perpassa.

- Tais visões ajudam a humanizar a morte e a desdramatizar os casos terminais, pois a vida e a morte são assimiladas num horizonte maior e transcendente.


Leonardo Boff

domingo, 16 de maio de 2010

O DIABO NÃO É DE CARNE E SANGUE – MAS SEUS AGENTES SÃO.





Minha primeira experiência com demônios foi aos 13 anos. A empregada de uma namoradinha era possessa, e, uma vez, caiu e serpenteou ante nossos olhos estupefatos, enquanto produzia um chacoalhar de cascavel e emitia sons inumanos. E não havia dúvidas: era demônio. O reverendo Antonio Elias o repreendeu; mas eu fiquei atormentado com a experiência um bom tempo.

Ora, eu nascera numa casa na qual doença mental não era tratada com alienação. Havia loucos de vários tipos na casa de minha avó, desde sempre — pessoa que meu avô tomara como afilhadas, algumas delas nitidamente descompensadas ou surtadas mesmo. Isto sem falar no meu amado tio Lucilo, mano de minha mãe, que era esquizofrênico; e que viveu como tal a vida inteira, até a morte.

Assim, de algum modo, em meu coração eu sabia que o que acontecera com a empregada da Marcinha era possessão.

Depois esqueci de tudo, até o dia em que estava com uma menina dentro de um carro no antigo Píer de Ipanema, 1972, quando ela gritou: “O Anticristo nasceu! Aleluia!” — e disse isto com os olhos inflamados de alegria do inferno.

Ora, eu era doido, mas nem tanto. Larguei a moça no carro e fui embora a pé...

Dali em diante houve uma sucessão de episódios do mesmo tipo, em seqüência; pois, aonde eu ia alguém incorporava e vinha com “papos do diabo” para cima de mim. Até que eu mesmo, em julho de 1973, na noite de minha conversão, fiquei sob sujeição demoníaca; pois, tinha consciência de tudo à minha volta, mas, de fato, apenas assistia, posto que algo dominava todos os meus comandos, fazendo de um fantoche daquela força perversa que desejava me matar.

Daquele tempo em diante, embora tenha ficado amedrontado de inicio, logo me vi na linha de frente daqueles enfrentamentos; os quais passaram a ser diários, e, pelos quais, não apenas aprendi o que é uma possessão, uma sujeição demoníaca, uma opressão, ou quais e como são os estados híbridos, quando a possessão gera uma disfunção psíquica permanente (uma espécie de psiquismo de possesso); ou quando em razão de uma disfunção psíquica acompanhada de ódio ou baixa auto-estima, a pessoa evoluiu da doença mental para um estado de possessão simultânea.

Ora, isto sem falar nos inúmeros casos de doença mental que se fazem “condicionar” pela aparência aprendida pelo doente de como seria se manifestar como um possesso (que em geral são os “casos” de demônio que se vê nas “igrejas” e na tevê).

Na realidade fui aprendendo as sutilezas e as filigranas que separam um estado do outro; e, assim, pela Graça, fui discernindo como ajudar no caso de possessos, no caso de doentes mentais sofrendo de uma obsessão demoníaca; bem como fui aprendendo a perceber os “casos híbridos” e os casos da doença mental propriamente dita.

Entretanto, demorou um pouco mais para que eu identificasse o homem-diabo. Sim! Pois meu senso de humanidade e até de humanismo, me impossibilitavam de ver que o ocorrido a Judas é um fenômeno muito mais presente no mundo do que as pessoas acreditam.

Sobre o tema do Diabo Humano, escrevi faz uns poucos anos o seguinte texto aqui no site:
Jesus disse que viu Satanás caindo do céu. Ora, isto aconteceu enquanto os 70 discípulos enviados por Ele para pregar o Evangelho, curar os doentes, e anunciar o reino de Deus — iam de cidade em cidade, apenas levando quase-nada além de si - mesmos, porém inteiros de alegria e fé.

Paulo diz que na Cruz Jesus “despojou os principados e potestades espirituais, triunfando deles...” Já o Apocalipse nos diz que chegaria uma hora na qual Satanás seria lançado na Terra... Então se diz: “Ai da Terra e dos que nela habitam!”.

Pessoalmente creio que estamos vivendo existencial, psicológica, tecnológica, política, econômica, ecológica e espiritualmente — em dias apocalípticos!

Isto porque, além de todas as evidências esmagadoras que nos cercam como “fato-de-morte”, e que hoje são afirmadas não por profetas e videntes, mas por cientistas de todas as áreas —, temos algo mais sério ainda em curso; e que nenhuma ciência parece perceber a gravidade de morte que ela trás consigo.

Escrevendo a Timóteo, na segunda carta, Paulo diz no capítulo 3 que nos “últimos dias” os homens, para além de qualquer outra coisa, perderiam o afeto natural. E afirma que a morte da afetividade faria perecer com ela a reverência e a honra a pai e mãe; o que traria à reboque um estado de desafetividade que acabaria por produzir uma sociedade global feita de homens e mulheres implacáveis, egoístas, narcisistas, amantes apenas de si mesmos, e incapazes de aprender-apreendendo a verdade no íntimo; o que gestaria almas em crescente estado de auto-indulgência e uma quase total incapacidade de amar.

Ora, assim como em Jesus vai-se de glória em glória até a estatura do varão perfeito; no diabo se vai de desfiguração em desfiguração até ficarmos a cara de Satanás.
Tudo isto combina com o que Jesus disse ao se referir a estes “dias”; pois, Ele nos disse que “naqueles dias os homens odiariam, trairiam, e matariam uns aos outros...”; e afirmou que os “inimigos do homem seriam os de sua própria casa”; completando com a afirmação que diz que “por se multiplicar a iniqüidade”, o amor se esfriaria “de quase todos”.
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Assim, com o diabo caído na Terra e com fome de morte; e com os homens se tornando semelhantes a ele e cada vez mais dês-semelhantes de Deus — o futuro dos humanos é sombrio!
Na realidade, como não se pode estudar as ações do diabo na Terra (posto que o próprio diabo está limitado ao “fornecimento” de material espiritual, moral e cultural que a humanidade lhe oferece) — o que fica visível aos olhos não é o diabo no homem, mas sim o homem no diabo.
Sim, porque de fato o homem está virando diabo!

Cada vez mais o melhor modo de saber como é o diabo é olhando a humanidade. Isto porque o diabo (diabulos) é aquele que divide; e Satanás é aquele que se opõe; ou seja: é o adversário.

Ora, olhando para qualquer lugar da Terra e observando os humanos, tem-se que admitir que a humanidade existe cada vez mais em razão das divisões e das guerras de todas as formas e maneiras. Vivemos numa sociedade dividida e na qual o outro é o inimigo; e isto indo da religião, passando pelas relações humanas em geral (especialmente as que envolvem sexo, dinheiro e poder), e chegando ao mercado de trabalho; pois, o concorrente já nem mesmo tem que ser vencido; de fato ele tem que ser aniquilado.

Além disso, a morte da afetividade, do respeito aos mais velhos, da reverência aos pais, do amor dos pais pelos filhos, da fidelidade, da gentileza, das educações mais banais, da solidariedade, da honestidade, da dignidade pessoal, do respeito pela existência de qualquer que seja o próximo — foi o poder-ausência que criou essa humanidade da qual somos parte; e que é feita de diabos, quase em sua totalidade.

O espírito do diabo está tão presente e imanente na maioria das consciências humanas (e até naquilo que entre nós se chama de Direito, Justiça e Crença), que já não se deve praticar qualquer tipo de “batalha espiritual abstrata”, posto que os demônios estão andando ao nosso lado todos os dias, em todos os lugares; e não são espíritos invisíveis, mas cobertos de carne, pele e ossos...; e muitas vezes travestidos até de “cristãos”.

A tragédia “destes últimos dias” é que a humanidade vai perdendo a “imagem e semelhança de Deus”; e, dia a dia, vai se tornando mais e mais parecida com o próprio diabo.

Ora, isto não é algo que deve ser dito apenas aos distantes e diferentes... “de nós”. Não! Isto deve ser dito a nós mesmos; e dentro de nossas próprias casas, famílias, igrejas e governos; e também a cada forma de expressão humana que nos cerca; pois, em quase todas elas, vemos sutilmente os humanos ficando a cara do diabo; e isto sem que o percebamos.

Basta ver o que existe em você. Sim, procure por amor, perdão, graça, misericórdia, compaixão, reverência, gentileza, bondade, alegria simples, e também pela fé que opera pelo amor —; sim, dentro de seu coração busque tais coisas; e, não achando tais coisas enraizadas em você, olhe para os céus e peça misericórdia a Deus; e isto a fim de que você e eu não sejamos tragados pelo bafo do inferno que seca a umidade do amor no chão da alma humana.

Assim, o que disse há dois anos, desejo repetir hoje, pois, é-me impossível não ver as ações malignas e sutis do diabo — usando o diabo-crente; o crente-diabo; o pobre-diabo; e o crente-diabo-crente.

Sobretudo, vejo esse diabo-humano se manifestando como fomentador de ódio, intriga, invejas, suspeitas, e muita e muita infâmia.

De fato, se não nos dermos conta disso, mas, ao contrário, se tratarmos tais coisas com “inocência”, todos nós seremos tragados para dentro da fraternidade do diabo-humano, a qual é feita de mentira, engano e sentimentos afiliados ao ódio e ao ressentimento.

Nos últimos dois meses (como fazia tempo não sentia e via), tenho percebido forte ação e ataque do diabo. Para mim, entretanto, todos esses ataques espirituais ou humanos (porém carregados da mesma energia de maldade), são o que a minha mulher chama de “o estrebuchar do rabo da lagartixa morta”. É reflexo nervoso das trevas ante a constatação de que não brincaremos com nenhum das diversões do diabo: ódio, amargura, ressentimento, desconfiança, infâmia, mentira, e toda sorte de dissimulação e engano.
Assim, digo: o pior diabo é o diabo-humano; pois, o diabo-diabo é apenas o diabo, mas o diabo-humano é gente agindo e sendo como o diabo entre os humanos.

Neste caso, é deixar, como Jesus deixou... Nós, entretanto, que temos ou que venhamos a ter este discernimento, não podemos nos tornar sócios inocentes desse diabo que se faz homem na maldade dos humanos desumanizados.

Lembre isto hoje, amanhã e sempre!

Nele, que nos disse como seria..., a fim de que não nos tornássemos o que não fomos criados para ser,

Caio

terça-feira, 11 de maio de 2010

Sugestão de Gabarito


A igreja é, ao mesmo tempo, organismo espiritual e instituição social. Evidentemente, a dimensão institucional é secundária, e deve estar a serviço do organismo espiritual. Caso esteja em dúvida a respeito de sua comunidade, ofereço esta sugestão de gabarito das marcas da institucionalização da igreja.

1. Liderança personalista. Quando a comunidade perde de vista a realidade do sacerdócio universal dos cristãos e da dinâmica do uns aos outros na ciranda dos dons e ministérios pessoais, e se deixa vencer pela tentação de privilegiar ministros tidos como especiais em detrimento da participação de todos no triângulo unidade, diversidade e mutualidade, ela abre brecha que uma outra persona que não Cristo se torne alvo de devoção, ocorre então uma idolatria sutil.

2. Ênfase na particularidade do ministério. Uma vez que o projeto institucional se torna preponderante, a ênfase não pode recair nos conteúdos comuns a todas as comunidades cristãs. A necessidade de se estabelecer como referência no mercado religioso conduz necessariamente à comunicação centrada nas razões pelas quais “você deve ser da minha igreja e não de qualquer outra”. Torna-se comum o orgulho disfarçado dos líderes que estimulam testemunhos do tipo “antes e depois de minha chegada nesta igreja”.

3. Ministração quase exclusiva à massa sem rosto. Ministérios institucionalizados estão voltados para o crescimento númerico e valorizam a ministração de massa, que se ocupa em levar uma mensagem abstrata a pessoas que permanecerão longe dos bastidores onde ocorre o cuidado pastoral face a face. Parece que os líderes se satisfazem em saber que “gente do Brasil inteiro nos escreve”, como se espalhar uma mensagem fosse a única dimensão da ministração espiritual.

4. Busca de presença na mídia. Mostrar a “cara diferente”, principalmente com um discurso do tipo “nós não somos iguais os outros, venha para a nossa igreja” é quase imperativo aos ministérios institucionalizados. A justificativa de que “todos precisam conhecer o verdadeiro evangelho”, com o tempo acaba se transformando em necessidade de encontrar uma vitrine onde a instituição se mostre como produto.

5. Projetos ministeriais impessoais. Ministérios institucionalizados medem seu êxito pela conquista de coisas que o dinheiro pode comprar. Pelo menos no discurso, seus desafios de fé não passam pelos frutos intangíveis das vidas transformadas, mas em realizações e empreendimentos que demonstram o poder das coisas grandes: grandes templos, grandes campanhas, grandes canais de mídia, grandes eventos, tudo grande.

6. Exagerados apelos financeiros. Conseqüência de toda a estrutura necessária para sua viabilização, os ministérios institucionalizados precisam de dinheiro. As pessoas aos poucos deixam de ser rebanho e passam a ser mala-direta, mantenedores, parceiros de empreendimentos, associados.

7. Rede de relacionamentos funcionais. A mentalidade “massa sem rosto” somada ao apelo “mantenedores-parceiros de empreendimentos” faz com que as relações deixem de ser afetivas e se tornam burocráticas e estratégicas. As pessoas valorizadas são aquelas que podem de alguma forma contribuir para a expansão da instituição. Já não existe mais o José, apenas o tesoureiro; não mais o João, apenas o coordenador dos projetos Gideão, Neemias, Josué, ou qualquer outro nome que represente conquista e realizações.

8. Rotatividade de líderes chamados leigos. Não se admira que muitos líderes ao longo do tempo se sintam usados, explorados, mal amados, desconsiderados e negligenciados como pessoas. O desgaste de uns é logo mascarado pelo entusiasmo dos que chegam atraídos pela aparência do sucesso e êxito ministerial. Assim a instituição se torna uma máquina de moer corações dedicados e esvaziar bolsos de gente apaixonada pelo reino de Deus. O movimento migratório dos líderes de uma igreja para outra são feitos por caminhões de mudança carregados de mágoas, ressentimentos, decepções e culpas. Nos porões das igrejas há muita gente vítima da máxima “Jesus te ama e o pastor te engana”.

9. Forte presença de conteúdos simbólicos. A institucionalização é adensada pelos seus símbolos, hinos, uniformes, escudos, bandeiras, slogans, logos, campanhas, enfim, componentes de amarração psíquica e uniformidade da mentalidade onde o grupo se sobrepõe ao indivíduo e a instituição esmaga a identidade particular das pessoas. O que se materializa no símbolo conduz ao distanciamento do universo reflexivo e das possibilidades incontroláveis do mundo das idéias, e quanto mais materializado o rito, mais amarrado e dependente o fiel.

10. Ausência de liberdade às expressões individuais. Ministérios institucionalizados, personalistas, dependentes de fiéis fiéis na manutenção financeira, e psicologicamente amarrados pelos conjuntos simbólicos não são ambientes para a criatividade e a diversidade. Todos brincam de “tudo quanto seu mestre mandar, faremos todos” e, inconscientemente, acabam se vestindo da mesma maneira, usando o mesmo vocabulário, se expressando através dos mesmos gestos e linguagens não verbais. Seus rebanhos são compostos não apenas por “massa sem rosto” e “mantenedores-parceiros de empreendimentos”, mas também por “soldadinhos uniformizados”, o que aliás, são a mesma coisa.

11. Falta de preocupação com o discipulado. Para quem supervaloriza a expansão, a massa, o número, o quoeficiente de arrecadação, a seriedade no acompanhamento pessoal pastoral e discipulador é deixado de lado. A Bíblia é usada sempre à pretexto de embasamento da campanha do momento, ou da sustentação da nova descoberta visionária e ou doutrinária. Ministérios institucionalizados não estão preocupados em transformar vidas de dentro para fora, querem mesmo é conquistar o mundo e organizar uma sede internacional.

12. Proclamação utilitarista. Ministérios institucionalizados se alimentam de desespero e conveniência. A volúpia expansionista dos líderes misturada com a ganância e a necessidade do fiel resulta na combinação exata para a elaboração e divulgação de uma mensagem adocicada, irreal, fantasiosa e diabolicamente deturpadora do evangelho.

13. Escândalos varridos para debaixo do tapete. Ministérios institucionalizados são pródigos em protagonizar escândalos ligados a sexo, dinheiro e poder. Não poucos dos seus líderes têm vida dupla. Infelizmente, na mesma proporção em ocupam as páginas da triunfalista mídia religiosa, também ocupam as páginas policiais dos jornais do país.

14. Amor e ódio. Os ministérios institucionalizados recebem ao mesmo tempo o ódio e o amor dos que passam por ele. São alvos das mais apaixonadas defesas e dos mais contundentes ataques. Com o mesmo poder com que criam dependências e são capazes de manipular a massa, são também objetos do mais absoluto descrédito de tantos quantos já foram atropelados pela sua volúpia expansionista e sua liderança totalitária, gananciosa e egocêntrica. Tão certo quanto algumas personalidades são veneradas como semi-divinas, são também exorcizadas como demoníacas, e desmascaradas como falsos pastores, falsos mestres, falsos profetas, falsos bispos, falsos apóstolos – de ambos os sexos.


publicado por Ed René Kivitz

Pare e pense
Wagner

domingo, 9 de maio de 2010

Morada de Demônios



Jesus falou pouco a respeito da possessão demoníaca explicita. Sim! Ele falou pouco sobre o assunto. Todavia, expulsou a todos os demônios que, como tais, se manifestaram diante Dele. Entretanto, Ele tratou bastante do assunto das possessões sutis, que são as piores, pois, em geral, podem ser mais “culturas espirituais” que demônios que se “manifestem” como tais, muito pelo contrário. Não são, necessariamente o demônio, mas são demoníacos!

Nos textos que seguem Jesus abordou o tema da possessão demoníaca em dois níveis: um existencial e outro generacional.

Primeiro Leia o texto generacional:

Quando o espírito imundo sai do homem, anda por lugares áridos procurando repouso, porém não encontra. Por isso diz: Voltarei para minha casa donde saí. E, tendo voltado, a encontra vazia, varrida e ornamentada.Então vai, e leva consigo outros sete espíritos, piores do que ele, e, entrando, habitam ali; e o último estado daquele homem torna-se pior do que o primeiro. Assim também acontecerá a esta geração perversa.Aqui a ênfase recai sobre “esta geração perversa...!”

Agora, Leia o mesmo texto em Lucas e veja a conclusão existencial:

Quando o espírito imundo sai do homem, anda por lugares áridos, procurando repouso; e, não o achando, diz: Voltarei para minha casa donde sai. E, tento voltado, a encontra varrida e ornamentada. Então vai, e leva consigo outros sete espíritos, piores do que ele, e, entrando, habitam ali; e o último estado daquele homem se torna pior do que o primeiro.

Se você me pergunta se creio que há diferença entre as duas coisas, minha resposta é sim e não. Sim, apenas porque se um indivíduo está possesso, isto não significa que todos estão possessos de sua possessão. E também porque como veremos mais adiante neste livro, toda possessão individual é também projeção das possessões coletivas e vice versa.

Em ambos os textos tudo é igual. O espírito imundo sai de um homem. Procura lugar de pouso e não encontra. Então diz: “Voltarei para a minha casa de onde saí.” E o faz trazendo consigo novos inquilinos e, assim, o segundo estado daquele homem torna-se pior do que o primeiro.

A diferença está apenas no “aplicativo” de Mateus: “Assim também acontecerá a esta geração perversa”.

Desse modo, a única diferença entre uma possessão individual e uma coletiva é que no primeiro caso o homem perde o controle de si e, por vezes, perde sua consciência individual. Já no segundo caso, a consciência dos indivíduos fica suficientemente cônscia de si, mas não discerne o poder de conexão invisível e que, escondido no coletivo, age como um sentir unanime e, em geral, mobiliza a “maioria” com alguma causa de vida ou morte, sendo que o efeito nunca é vida, é sempre morte!

Jesus não faz muitas alusões explicitas àquela geração. No entanto, Ele fala em abundância sobre quem ela era, mas não usa muitas vezes a palavra geração.

Afinal, não precisa estar escrito para estar dito!

Assim é que Jesus compara aquela geração a meninos que sofrem de um mal-humor crônico e contínuo, além de ser indefinido. Era raiva da vida e da liberdade de ser dos outros. E tanto fazia qual fosse a “expressão de ser” do outro em observação. Eles odiavam a quebra dos padrões de “normalidade” conforme o fizeram tanto Jesus quanto João Batista. Ambas, eram, em si mesmas, existências anti-téticas em relação a sua geração, embora, os dois, fossem também diametralmente diferentes em seus comportamentos em relação um ao outro.

A segunda referência significativa àquela geração acontece num sanduíche de fariseus e escribas da Lei tentando provoca-Lo. Ele vinha de expulsar um demônio à vista da mesma assembléia de religiosos. Foi objeto da mais terrível interpretação no seu ato: “Este não expele os demônios senão pelo poder de Belzebu, maioral dos demônios”.

À esses, Jesus diz o seguinte:

1. Satanás não cometia burrices daquele tipo. Portanto, sugere que a presença de Satanás não estava na divisão causada por Jesus em seu “reino”, mas, ao contrário, estava estabelecida na monoliticidade do corpo de pensamento daquela geração, agora, sim, dividido pela presença anti-tética de Jesus. Eles eram os demônios atingidos!

2. Se o argumento deles fosse válido, então, antes de julgarem a procedência do poder que emanava de Jesus, eles teriam que explicar a fonte do poder utilizado pelos seus próprios filhos, que também “expulsavam demônios”. Em não o fazendo, estavam reconhecendo o poder de Belzebu como a força operativa também entre eles.

3. Se não podiam “responder” sem se acusar, então, que admitissem que em Jesus o poder manifesto era o do Reino de Deus que estava, em Jesus, no meio deles.

4. Nesse caso, diz Jesus, o que estava acontecendo era um saque divino nos cativeiros de Satanás, pois sua “casa” havia sido invadida por Alguém que lhe era superior, com poder, inclusive, de “amarra-lo e saquear-lhe os bens”.

5. Desse ponto em diante Ele trás a “espada” e divide a assembléia dizendo-lhes que qualquer declaração que saísse de suas bocas com aquele tipo de conteúdo e que não correspondesse a verdade de seus corações—sendo, apenas, portanto, uma utilização “política” do tema espiritual, carregando uma “calúnia” contra Jesus e uma “blasfêmia” contra o Espírito de Deus que Nele agia—seria considerado um pecado sem perdão! Ou seja: se conscientemente eles sabiam que Jesus era enviado de Deus, mas, em razão da des-construção institucional que Jesus trouxera com Sua mera presença entre eles, haviam optado pelo caminho da negação da Graça que em Jesus os visitava; então, pela fria opção pela manutenção do poder que julgavam possuir, eles se colocavam cometendo a pior blasfêmia: negar que a mão de Deus seja a mão soberana em ação, preferindo caluniar o agente da Graça, cometer um blasfêmia contra o Espírito, mas não perderem seu poder temporal que, em Jesus, eles viam ameaçado. Essa era a “possessão” que os possuía.

6. Na seqüência Jesus adverte sobre as “palavras” como sendo o resultado da escolha existencial do homem, do que ele tira ou não de seus baús do coração: se busca seus valores nos cofres da verdade ou nos sombrios e secretos ambientes de sua perversidade interior. E conclui de modo a vaticinar um terrível juízo sobre toda palavra frívola dita pelos homens em relação a Deus e ao próximo.

Ora, é neste ponto da “batalha” que os adversários chegam, cinicamente, com uma “pérola tirada do mau tesouro” de suas almas:“

Mestre, queremos ver de tua parte um sinal”—pediram eles!

Ele, porém, lhes respondeu:

“Uma geração má e adúltera pede um sinal; mas nenhum sinal lhe será dado, senão o do profeta Jonas”.

O que segue é Jesus afirmando que tanto os Ninivitas dos dias de Jonas quanto os Etíopes dos dias de Salomão e da rainha de Sabá, eram seres infinitamente mais abertos à Deus que os arrogantes filhos da Teologia Moral de Causa e Efeito, os mesmos que agora queriam “tenta-Lo”, pedindo-lhe uma demonstração visível de um efeito confirmador da causalidade divina de Jesus. Enfim, outro pedido semelhante ao feito por Satanás no Pináculo do Templo.

Ora, é nessa “viagem” que entra o tema da “geração” que se tornara Casa de Espíritos Maus, conforme o relato de Mateus acerca da “possessão” generacional.

Se você for verificar a mesma passagem do Evangelho em Lucas, você verá que o contexto antecedente é exatamente o mesmo. Em Lucas, todavia, a seqüência do contexto imediato—ou seja: o que vem depois—, fala de maneira ainda mais clara dos “espíritos” que haviam se instalado no inconsciente coletivo daquela geração, formando uma rede de pensamentos e sentimentos contrários à Graça de Deus e sua revelação em Jesus.

As denuncias que Jesus faz àquela geração são as seguintes:

1. Os pagãos sempre haviam sido mais abertos à revelação do que eles. E a própria resposta dos “gentios” que encontraram com Jesus nas narrativas dos evangelhos demonstram isto.

2. Não adiantava que seus adversários dissessem que eles eram o Povo da Luz, pois, esta, quando habita alguém, aparece sempre. Além disso, a “luz” de um ser não vem “de fora”, nem de seus supostos encontros-de-hora-marcada com a luz. A verdadeira Luz nasce nos ambientes interiores e gera uma nova maneira de enxergar a vida. Aqui Ele associa a luz do ser ao modo como a pessoa “interpreta” a vida, a Deus e ao próximo. E mais: Ele diz que a luz do ser vem também dele não negociar com suas sombras, escondendo-as, pois, nesse caso, o que deveria ser a fonte de luz—o interior e seus bons pensamentos e interpretações da vida—, passa a ser o gerador das trevas no interior humano.

Agora, no mesmo contexto imediato—ou seja: “Ao falar Jesus estas palavras”—, um fariseu o convidou para ir comer em sua casa; então, Jesus, entrando, tomou lugar à mesa.O problema é que Jesus entrou, sentou e comeu! Que problema! Ele não havia lavado as mãos antes de comer! O fariseu não agüenta a transgressão cerimonial cometida por Jesus. Afinal, Jesus era o mesmo que eles, coletivamente, haviam acusado de ser instrumento de Satanás.Agora, preste atenção como toda a conversa que se segue— que começa numa casa, à volta da mesa, com serviço de lavagem cerimonial disponível, com copos, pratos e mobílias –-, se transforma na analogia perfeita da “casa vazia, varrida e ornamentada”, pois, o tema volta nos lábios de Jesus.“O Senhor, porém, lhes disse: Vós, fariseus, limpais o exterior do copo e do prato; mas o vosso interior está cheio de rapina e perversidade”.Para mim fica impossível não associar a analogia da “casa vazia, varrida e ornamentada” com “limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso interior está cheio de rapina e perversidade”. O resto da fala de Jesus continua a denunciar a mesma conexão entre ambas as “imagens” de possessão:

1. Exterior limpo, interior habitado por rapina e perversidade.

2. Quem fez o exterior é o mesmo que fez o interior de todas as coisas. E, para Ele, é o amor solidário aquilo que torna o mundo puro para os puros.

3. As exterioridades do culto à mobília e aos ornamentos exteriores do ser eram o deus deles. Por essa razão eles davam devocionalmente a Deus apenas aquilo que contribuía para a propaganda de como sua “casa estava varrida e ornamentada”, enquanto negligenciavam as verdade do interior, que são aquelas que “enchem a casa” daquilo que é bom. E a prova desse culto à “casa varrida e ornamentada” aparecia até mesmo nas obviedades de seus códigos de valores e importâncias: todos ligados a imagem e às suas pretensas distinções entre os homens.Naquela assembléia reunida na casa do fariseu não havia apenas religiosos zelosos das exterioridades da Lei, como os fariseus, havia ali também alguns teólogos, ou seja: interpretes da Lei. E, é deles que agora vem a confissão de que as palavras de Jesus os “ofendiam” também. Passaram um recibo autenticado no Cartório da Culpa.


O que Jesus diz à esses teólogos, os “interpretes da Lei”?

1. “Ai de vós também, interpretes da Lei! porque sobrecarregais os homens com fardos superiores às suas forças, mas vós mesmos, nem com o dedo os tocais”—afirmando que a “mobília” da casa varrida e ornamentada era patrocinada por eles, ao “construírem” uma teologia para estivadores, sem a misericórdia de perceber que aquela tarefa que eles impunham sobre os outros era mais que desumana, e, além disso, dava a eles o poder satânico de, em nome de Deus, oprimirem o próximo com aquilo que eles mesmos não agüentavam bancar nem nos ambientes de seus próprios corações.

2. “Aí de vós! porque edificais os túmulos dos profetas que os vossos pais assassinaram. Assim sois testemunhas e aprovais com cumplicidade as obras dos vossos pais; porque eles mataram e vós lhes edificais os túmulos”—asseverando que a atitude politicamente mais “correta e leve” dos teólogos não escondia da face de Jesus a verdade. Sua “diplomacia” também era perversa. Eles eram apenas mais educados em suas atitudes. Mas no seu interior havia a mesma “rapina e perversidade” de seus colegas fariseus. Desse modo, Jesus denuncia as etiquetas da religião e seus representantes, que matam os portadores da Palavra, mas sempre, após a História se impor sobre os interesses então imediatos—seus filhos, filhos da mesma escola e alunos da mesma teologia—, erguiam agora os túmulos do profetas, fazendo “reformas históricas”, mas que não os colocavam no caminho da obediência à Palavra de Deus falada pelos profetas no dia de Hoje! Assim, eles achavam que construir tumbas em honras dos profetas os diferenciava de seus pais, os assassinos de ontem. A questão, todavia, é que Deus é Deus de vivos e não de mortos. E Sua real expectativa não é que os profetas sejam ou fossem honrados, mas ouvidos!

3. Jesus conclui dizendo que eles não se diferenciavam em nada de seus pais. Afinal, eles estavam tendo a chance histórica de experimentar o verdadeiro arrependimento—ou não era Jesus que eles agora rejeitavam?—, mas nem mesmo isto eles enxergavam, fazendo-se, assim, mais cegos e homicidas que os seus pais.

4. A questão é que aquela não era uma situação “estanque” ou sequer “departamentalizável”. Eles eram parte da mesma geração. Havia uma conexão simbiótica entre eles—fosse no passado, fosse no presente! Portanto, havia uma possessão crescente e cumulativa no processo histórico-religioso. E mais: Aquela geração teria que responder por si mesma e pelo passado, do qual eles faziam um mero replay no presente.

5. O pior para Jesus era que os “interpretes da Lei” diziam possuir a “chave da ciência” interpretativa. Ora, Jesus diz que era baseado nesse auto-engano—ou, quem sabe: engano deliberado!—, que eles nem entravam na Graça e nem deixavam os que a desejavam poderem entrar com as próprias pernas pela Porta. E que pior denuncia pode haver para qualquer tipo de clero?!

A separação humana entre Leigos e clérigos, em qualquer que seja o nível ou em qualquer que seja a nomenclatura, é um acinte ao puro e simples Evangelho de Jesus!O que se segue a isto é a declaração explicita de que tanto os letristas-escribas, quanto os escrachadamente legalistas-fariseus, bem como os educadamente Moralistas-interpretes da Lei, agora o “argüíam com veemência” procurando confundi-Lo com muitos assuntos, “com o intuito de tirar de suas palavras motivos para o acusar”.

Para Jesus toda discussão sobre a Palavra acaba em confrontos satânicos. Por isto, mesmo havendo uma multidão interessada no debate, Ele vira e fala apenas com os Seus discípulos, e lhes diz o seguinte:

1. “Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia”—e, assim, Ele lhes diz que os fariseus, à semelhança do fermento, eram os mestres do inchaço da Lei. Eles eram hipócritas, pois, aumentavam o peso das coisas que eles sabiam que homem algum poderia carregar. Seu fermento era apenas a capacidade de “aumentar” as Escrituras sem discernir sequer os conteúdos da Palavra.

2. “Nada há encoberto que não venha a ser revelado; e oculto que não venha a ser conhecido”—revela agora a certeza de Jesus não só sobre o Juízo Final, mas sobre a impossibilidade dos homens se esconderem para sempre! Portanto, diz Ele aos seus discípulos: “Não sucumbam à religião das aparências. O que é, é!” E mais: ele retoma ao tema da casa na continuidade do mesmo assunto: os bochichos do interior da casa ainda seriam gritados da varanda.

3. O que segue é a advertência de Jesus aos discípulos quanto a não se impressionarem com aquelas Potestades Religiosas e nem Políticas. Elas não deveriam ser temidas. Seu poder de fazer mal não passava do corpo. E mais: até para exercerem tal poder, tinham que ter— à semelhança de Satanás em relação à Jó—, uma permissão divina. Tudo estava sobre controle. O perigo não vinha deles, mas do coração e de suas produções. Quanto ao poder de oprimir que os Senhores do Saber possuíam, Jesus diz que não era para se preocupar. Eles contavam com a perversidade satânica para interpretar a existência. Os discípulos, no entanto, carregavam a promessa de estarem habitados pelo Espírito da Verdade, que lhes ensinaria como não se sujeitarem aos trabalhos forçados daqueles donos de pesadas mobílias e que moravam numa casa vazia, varrida e ornamentada!

A seqüência do texto continua mostrando o significado de ser uma casa vazia, varrida e ornamentada. Isto pode vir da tentação de se aceitar a função de “juiz e repartidor” entre os homens. Ou mesmo poderia ser o produto da superficialidade de uma existência possessa de “avareza”. Ora, esse espírito também trás como sua marca distintiva a percepção de valores apenas no mundo das imagens e das seguranças visíveis, enchendo ceLeiros, mas deixando a casa espiritual vazia de Deus.

Na seqüência, Ele passa a inocular em Seus discípulos alguns anticorpos que pudessem dar a eles a consciência acerca do enganoso vírus do fermento dos religiosos, filhos da Teologia Moral de Causa e Efeito. Jesus prossegue com a temática das relações de causa e efeito presentes no pensamento de Seus contemporâneos.

É significativo que logo adiante Jesus expulse um demônio numa sinagoga. Ora, ali está o quadro pintado de uma casa vazia, varrida e ornamentada, mas onde o diabo mantinha “filhos de Abraão em cativeiro”. E qual é a reclamação do gerente da Casa Vazia—a sinagoga? Seu argumento tem a ver com a bagunça que a libertação causou à ordem das coisas na casa bem arrumada, e que fora construída para não ser o lugar da vida, sendo tão somente um showroom de religiosidade. Nesse lugar ninguém quer saber se você está melhor, mas apenas se está tudo em ordem!

À mim vem agora uma pergunta: o que teria instigado os espíritos da casa vazia, varrida e ornamentada a agirem de modo sete vezes pior?No contexto anterior, em Lucas, Jesus envia setenta discípulos para pregarem o evangelho da Graça, a Palavra do Reino, o Evangelho da Salvação. Ao retornarem, os discípulos vieram felizes com os resultados: “Até os demônios se nos submetem pelo teu nome”—disseram eles! Jesus, no entanto, lhes respondeu que Ele mesmo vira Satanás ser atingido em cheio pelo resultado daquela missão, caindo do céu como um relâmpago. E mais: que a alegria dos discípulos deveria sempre ser a alegria de ser e não a de poder, e também jamais deveria se basear no sentimento de prevalência sobre as forças do mal no “outro”—afinal, raramente se encontra um humilde e sadio exorcista ambulante—, mas sim, com o fato de que, pela Graça de Deus, e, em Cristo, seus nomes estavam escritos no Livro da Vida, onde tudo o que de fato Deus chama de ser-história-do-ser está lá registrado para o nosso bem.

O ódio de Satanás vinha do fato que aquela Casa Vazia, Varrida e Ornamentada pelas Leis, pelos cerimonialismos, pelo comportamentalismo exterior, pelas morais homicidas, pelos dias tão santos que neles nem o bem cabia, pelos Concílios da Verdade, pelos aparatos das piedades exteriorizadas, e, sobretudo, pela capacidade de “jeitosamente” desviarem a atenção dos homens dos ambientes do coração para as nulidades das exterioridades da religião e seus infindáveis rudimentos.

Agora, todavia, para horror dos “demônios”, chegara “o mais valente” e com Ele vinha o poder de “amarrar” aquelas forças, a fim de poder encher a casa não com mobília e ornamentos das aparências da piedade exterior, mas com Vida!Para Jesus, mais vazios que os “vazios” que eram habitados “circunstancialmente” por demônios, eram os que propositalmente “construíam” casas religiosas que nada mais eram que lugar de morada de demônios, tornando a casa cada vez mais mal assombrada! De fato, o que eles chamavam de “mobília ornamental”, Jesus chamava de “rapina e perversidade”.E aqui voltamos ao nosso tema:

A Teologia Moral de Causa e Efeito é a gestora satânica da Casa Vazia, Varrida e Ornamentada! E sabe por quê?Ora, Jesus estava falando dos mestres e seus melhores exegetas, os interpretes da Lei; dos melhores executivos devocionais que a tradição judaico-cristã já teve, os fariseus; dos mais bem sucedidos políticos da religião, os sacerdotes; e dos depositários mais fiéis da Revelação Escrita, os escribas. Todavia, eles eram sepulcros pintados de branco por fora a fim de esconder a podridão que crescia dentro deles.

Quanto mais Moral é o consciente humano, mais adoecidamente tarado, lascivo e perverso o seu inconsciente será!Eles tinham a casa, o Templo; e possuíam o poder de fazer sua gestão; o poder era oriundo dos cargos que ocupavam na manutenção do sistema; e esses cargos eram mais elevados à medida que alguém se “avantajava” nas praticas das regulamentações legais, exteriormente, é claro!Todavia, eles só tinham copos, pratos, talheres, lavatórios, mesa, comida e a certeza de belos ornamentos para a decoração. Afinal, o “lixo” dos outros eles cobriam com pedras. E os seus próprios, eles ocultavam no coração.Faltava-lhes tudo! Faltava-lhes vida e a real Presença do Deus da Graça em seus corações!

Eles haviam sido tragados. Estavam escravizados pelo pecado de sua quase incurável arrogância. E se tornaram tão vazios de amor a Deus e à vida, que nem sentiam que no seu zelo, eles se tornavam freqüentes transgressores da Lei e dos Profetas. Ora, eles estavam vazios em seu próprio ser, pois, esvaziaram de tal modo a sua própria casa-ser, que eram agora capazes de planejar até mesmo a morte de Jesus— depois vieram a consumá-la, como também tinham consentido com a execução do último profeta, João, o Batista!— e isto enquanto faziam vista grossa ao comercio nojento e asqueroso no qual o “mercado religioso” se tornara. E pior: criando uma religião de causa e efeito que permitia ao filho desonrar aos pais desde que a causa-desculpa gerasse o efeito-contribuitivo para os cofres da Religião. Tudo isto feito pelo poder, pelo lucro e pela auto-exaltação, piedosamente admitidas como expressão do zelo pelas coisas de Deus. Esses seres se tornaram tão mortalmente vazios que Jesus os chama de “sepulturas invisíveis”.

Todavia, em matéria de exterioridades, de mobílias morais e religiosas, eles eram os melhores e mais devotos religiosos que o Ocidente já teve notícia!Jesus, entretanto, viria a chama-los de “filhos do diabo”.

Aquela geração tinha a “mobília”, mas a casa estava vazia de Deus, varrida pela Moral da Lei e ornamentada pelo cerimonialismo sacerdotal. Mas era apenas isto!Conclusão: os demônios voltaram e foram habitar o inconsciente da maioria, criando assim, uma “consciência” moralmente rígida, e quanto mais rígida se tornava, tanto mais os demônios lhes atordoavam o “interior da casa”.

Estavam literalmente fadados a serem os reis do exemplo, para fora; enquanto, do lado de dentro, viam-se tendo que existir como cativos, sobrevivendo mortalmente entre vôos de aves de rapina e besta perversas, des-cumprindo assim, interiormente, as Leis que impunham “aos outros” do lado de fora, que nada mais eram que as Leis da animalidade predatória, escondidas sob os signos da Moral e da religião. Ora, exatamente conforme os padrões das Leis de causa e efeito da natureza caída!

Caio

Outro Deus [2]


Chegou a minha vez de dizer que “Deus morreu, vocês mataram Deus”. Sei dos riscos. Dizem que gato escaldado tem medo de água fria. Mas alguns gatos não se dão por vencidos. Aliás, dizem também que gatos têm sete vidas. Que seja.

Tudo bem, posso atenuar um pouco, respeitando as pessoas que me querem bem e temem por mim. Temem que eu me comprometa em lutas quixotescas. Temem as retaliações que possa sofrer. E, na verdade, temem que eu perca o juízo e a fé. Nesse caso, dou um passo atrás e digo que um deus morreu em mim. E nasceu outro, que me seduziu com amor eterno. Por Ele me apaixonei.

O deus que morreu foi exaltado na sub-cultura da religiosidade evangélica brasileira. Basicamente, era um deus que (1) vivia de plantão para me poupar de qualquer tragédia, evitar meus sofrimentos, e abreviar as situações que me trariam qualquer desconforto; (2) prometia satisfazer não apenas minhas necessidades, mas também meus desejos; (3) estava comprometido a me favorecer em todas as minhas demandas contra os pagãos; (4) compensava minhas irresponsabilidades e ignorâncias em troca de minha fé; (5) manipulava todas as circunstâncias da minha vida como um tapeceiro que corta fios e dá nós no emaranhado do avesso do tapete, para revelar a bela paisagem ao final do processo, capaz de encantar todos aqueles que olham pelo lado certo. Enfim, morreu em mim aquele deus parecido com a figura idealizada de um super-pai, que levou homens como Freud, Nietzsche e Sartre a desdenharem da religião.

Esse deus morreu em mim porque se demonstrou falso. Isto é, ou não existia de fato, ou estava descrito de maneira equivocada, pois não precisamos ser muito sagazes para perceber que (1) o justo sofre, (2) o justo convive com frustrações, (3) os maus prosperam, (4) Deus não faz o que compete aos seres humanos fazer, e (5) não se pode conceber que Deus tenha decidido na eternidade que a missionária fulana de tal seria estuprada numa esquina de São Paulo, para cumprir um propósito, pois nesse caso, o estuprador está isento de responsabilidade.

Não é razoável a crença em um deus que coloca os seus fiéis numa bolha protetora contra toda sorte de dificuldades e possibilidades de dores. A Bíblia Sagrada registra que todos os homens que foram íntimos de Deus e cumpriram tarefas designadas por Ele sofreram, mais até do que muitos que deram as costas para Ele. Isso levou Santa Teresa de Ávila afirmar: “Se o Senhor trata assim os seus amigos, não se admira que tenha tantos inimigos”. Também não faz sentido o relacionamento com Deus motivado pelo interesse de suas bênçãos e galardões, pois isso faz com que Deus deixe de ser um fim em si mesmo e passe a ser um meio de prosperidade, isto é, passa a ser um ídolo a serviço dos fiéis. Igualmente incoerente é acreditar que a fé é suficiente para o êxito, pois ninguém passa no vestibular “pela fé”. Finalmente, não é sensato acreditar que Deus é a causa de tudo quanto acontece no mundo, pois nesse caso Deus estaria por trás de todo ato de maldade, levando o malvado a agir, de modo que ninguém seria culpado pelos seus atos.

Essa coisa de “Deus tem um plano para cada criatura” é incoerente em relação à fé cristã, pois seres criados à imagem e semelhança de Deus não podem ser privados da liberdade. Ou os seres humanos são responsáveis pelos seus destinos, ou não podem ser julgados moralmente.

Esse deus morreu. Mas sua morte fez ecoar uma pergunta no ar: Deus tem um favor especial aos nascidos de novo? Isto é, em relação aos não cristãos, os cristãos são tratados de maneira diferente pelo seu Deus? Minha resposta é sim e não.

Sim, porque por definição aqueles que se relacionam de maneira consciente e voluntária com Deus desfrutam de possibilidades que extrapolam os horizontes de vida daqueles que vivem como se Deus não existisse. A pergunta a respeito do cuidado especial de Deus não se refere a favoritismo ou acepção de pessoas, mas de algo inerente ao relacionamento. Algo como alguém perguntar se uma mãe trata diferente seus filhos em relação a outras crianças. É claro que sim, pois estão sob seus cuidados e sob sua autoridade. Mas, em tese, uma mulher que vive a experiência da maternidade trata todas as crianças com o mesmo senso de justiça e compaixão. E é justamente nesse sentido que Deus não faz qualquer distinção entre os que o reconhecem e os que o rejeitam: Deus faz o sol nascer sobre justos e injustos.

Mas então, qual foi o Deus que nasceu para ocupar o lugar do deus que morreu? Ou se preferir, para tornar a coisa um pouco mais prática, o que posso esperar de Deus?

(1) Sendo cristão, enxergo a vida com outros olhos. Experimentei a metanóia, que chamam de arrependimento, mas creio ser uma expansão de consciência (do gr. meta = além, e nous = mente). Vivo sob valores, imperativos, prioridades e propósitos diferenciados. Conhecer a Deus me faz andar na luz, na verdade, livre de pesos, culpas e máscaras, com a consciência e as intenções tão puras quanto um ser humano imperfeito as pode ter, e isso já basta para que minha vida dê um salto de qualidade imensurável.

(2) Recebo subsídios de Deus no meu “homem interior”, pois sendo verdade que “tudo posso naquele que me fortalece” aprendo a viver o contentamento em toda e qualquer situação. As promessas de Deus aos seus não dizem respeito ao conforto circunstancial ou à prosperidade aqui e agora, mas afetam a interioridade humana, por exemplo, com paz que excede o entendimento e alegria completa. Mais do que isso, a intimidade com Deus não faz a minha vida mais fácil, mas me faz mais humano, mais maduro, mais capaz de amar com a lucidez que escolhe as coisas mais excelentes, mais capaz de enfrentar com dignidade toda e qualquer situação.

(3) Sou integrado numa comunidade de cristãos que me abençoa na dinâmica da mutualidade. O socorro de Deus para minha vida chega pelas mãos dos meus irmãos. São os meus irmãos que me falam as palavras de Deus, repartem comigo seu pão, andam ao meu lado no vale da sombra da morte. Experimento a presença de Deus na comunhão com os filhos de Deus, vendo Deus na face dos irmãos.

(4) Tenho minha consciência e sensibilidades despertadas para o sofrimento da raça humana e a agonia do cosmos que sofre suas dores, de modo a receber um pouco do amor e da compaixão do coração de Deus em meu próprio coração, e acato a utopia do novo céu e da nova terra não como sonhos irrealizável, mas como promessa que motivas à ação toda vez que sou interpelado pelo Deus que me fala desde o clamor dos oprimidos.

(5) Vivo sob o olhar amoroso, poderoso e justo de Deus, que interfere em minha vida à luz de sua economia eterna, à seu critério, e isso é mistério da graça, isto é, não depende dos méritos dos beneficiados. Descanso no fato de que, apesar de Deus não ser a causa primeira de tudo quanto me acontece, não há qualquer coisa que venha me acontecer que esteja fora do seu conhecimento, controle e cuidado. É suficiente crer que toda vez que Deus opta por deixar a vida correr seu curso normal – e geralmente é isso o que Deus faz – nada pode me separar do seu amor, que está em Cristo Jesus meu Salvador.

Em síntese, morreu o deus que fazia de mim uma criança mimada, que chorava a cada desencontro da vida. Recebi revelação do Deus que me convida a crescer, para que Ele possa me receber como seu cooperador, seu amigo, alguém com quem Ele não tem segredos, e que encontra a felicidade não na vida confortável, mas na vida digna. Com a morte de um deus, morreu também uma espiritualidade. E nasceu outra, marcada pela graça, pela fé e pela resistência.


Ed René Kivitz

Pare e Pense

domingo, 2 de maio de 2010

Lua Nova Sugere Escuridão





Estreia nos cinemas mais um daqueles filmes que já são lançados com bilheteria consagrada e possivelmente recorde de presença. Não sou crítico de cinema, tampouco pretendo ser, mas sou, sim, crítico de uma sociedade que se afunda, se perde e que vê suas forças se esvaindo numa velocidade razoável.

Aquilo que parece se tornará uma saga, e parece ser um conto inocente, retrata o momento que vivemos e creio, até, incentiva as esquisitices da adolescência por parte daqueles que vivem momentos difíceis nesta fase da vida, como aqueles que elegem esses como seus “ídolos”.

Qual o mal nisso? Bom, tive que assistir o primeiro filme que se chamou Crepúsculo, fui até o fim, para poder avaliar o que tanto chamou a atenção nisso que se tornou um romance best seller e um filme recordista de bilheteria.

A história de uma adolescente coberta de frustrações de uma família disfuncional, que não suporta viver com a mãe e o padrasto, nas praias quentes da Flórida, e decide se isolar com o pai, um policial solitário, numa pequena cidade do estado de Washington, sob um frio quase que anual, num ambiente sombrio, nublado... isolada de tudo e de todos. Seu comportamento é diferente, ela é diferente de suas colegas de escola (típicas alienadinhas adolescentes), fala pouco, se relaciona pouco, conflita com o pai pela ausência de conversa e, por fim, encontra na escola um jovem, mais esquisito do que ela, isolado, branco como a neve, lábios encarnados e que desaparece quando o sol brilha.

A razão disso? Ele é um vampiro moderno, de cabelos feitos e com gel fixador, sua esquisitice e de sua família chama a atenção da outra esquisita e forma uma paixão também esquisita... mas, para um sem número de adolescentes eles são ídolos, são heróis, são diferentes como muitos desejariam ser e se espelham neles.

A certa altura a esquisitice vem à tona, quando em uma frase a jovem diz em seu relato da vida: “Descobri que morrer é suave e bom, viver é que é difícil...”. Aqui começa o que eu chamo de mensagem subliminar, da valorização da morte, de uma vida isolada, da ausência de relacionamentos e comportamentos saudáveis...

Quando uma jovem angustiada pela possível perda do amor “eterno” de um vampiro brilhantina diz que morrer é bom, minhas orelhas se levantam e minhas antenas se ligam. O suicídio é hoje nos EUA a segunda maior causa de jovens entre 15-18 anos, a rebeldia dessa geração, o isolamento como proposta está se difundindo e vejo perigo nisso tudo. Para mim, não passa batido, apenas como um conto, mas tem poder de influenciar uma geração, e influenciar muito mal. Os EUA é a casa dos adolescentes rebeldes a escola de colombine tinha como lema “The House of The Rebels” (A casa dos rebeldes) e foram rebeldes que entraram atirando e matando dezenas de adolescentes inocentes em uma lanchonete, e a todo tempo, relatos assim são veiculados e passam a ser uma quase rotina.

Numa perspectiva cristã, a eternidade é ao lado de Deus e o amor maior pelo criador, nesta mesma perspectiva, a vida é abundante e aquele que dá a vida disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida...”. A valorização da morte sugere desencanto com a vida, mas, a fé cristã, segue o que Jesus disse: “...no mundo tereis aflições, mas tenha ânimo, eu venci o mundo”.

Para mim, o que se produz para adolescentes deve ir além de valorizar comportamentos rebeldes, isolados e estranhos ou, quando relatados deveriam mostrar que esses tipos, não encontram nisso a felicidade.

Vejo essa coisa, mais uma vez com cuidado, porque para mim, lua nova sugere escuridão!



Rev. Miguel Uchoa
Cada um avalie.
Wagner