sábado, 29 de janeiro de 2011

Mantendo Cristã a Mensagem Cristã


Tudo isso leva ao que Jurgen Moltmann chama de “dilema entre identidade e envolvimento”. A igreja cristã está enfrentando uma crise de identidade e uma crise de relevância. Quanto mais busca abraçar uma identidade distintamente cristã, menos relevante ela se torna. Quanto mais busca ser relevante, mais perde sua distintiva identidade cristã. Um ocasiona a deterioração através de assimilação indiscriminada, São as atitudes da comunidade cristã que servem de intérprete para a mensagem cristã. o outro ocasiona a deterioração através de um recolhimento sectário.

Na busca para resolver esse dilema, este artigo propõe que a igreja se recuse a comprometer ou adulterar o evangelho. Em meio a Babel, a igreja deve continuar a proclamar uma mensagem que seja distintivamente cristã. Convicções cristãs devem ser expressas em linguagem cristã. A igreja, no entanto, deve também habitar a narrativa cristã.

É essa habitação e incorporação da narrativa cristã que a torna compreensível (e talvez até mesmo atraente) para a sociedade. São as atitudes da comunidade cristã que servem de intérprete para a mensagem cristã. Dizer que os cristãos acreditam em Deus se manterá “verdadeiro mas pouco interessante” até que a comunidade assuma uma forma que revele o caráter do Deus cristão.

A igreja, portanto, deve continuar a falar a linguagem do cristianismo. Fundamentando-se na história bíblica e na tradição cristã, a igreja será capaz de engajar-se numa conversação genuína e de dar continuidade à narrativa cristã, pois o cristianismo não é uma série de dogmas, mas uma história a ser finalizada.

Histórias é que são particularmente eficazes na tarefa de subverter ou modificar outras histórias. Como escreve Tom Wright, “diga a uma pessoa para fazer alguma coisa e você muda a vida dela por um dia; conte a essa pessoa uma história, e você muda a vida dela por completo”. Portanto, proferir linguagem cristã e incorporar a narrativa cristã deve ser a resposta da igreja para a presente situação. Ao manter-se um corpo gerador de histórias ela ganhará liberdade do torvelinho de narrativas que saturam a sociedade. Os profetas hebreus, de Moisés a Jesus, entendiam o poder único da linguagem e das narrativas.

A cultura de Babel procura destruir a linguagem porque entende também que as realidades sociais podem ser renovadas pelo poder da palavra. Ao proferir a Palavra que é Cristo e ao encarnar a Palavra vivendo em Cristo, a igreja faz mais do que meramente reformar Babel, e começa a demoli-la por completo. Por essa razão a igreja que vive de modo profético permanece “intensamente preocupada com questões linguísticas e epistemológicas”.

Há quatro elementos dessa linguagem e modo de vida cristãos que merecem ser examinados em maior detalhe. O primeiro é a pessoa de Jesus; conhecer a narrativa de Jesus deve ser o primeiro passo para qualquer coisa que seja genuinamente cristã. O segundo é a compreensão única de Deus revelada pela teologia trinitariana.

O terceiro é o coração do cristianismo missional, encontrado no Reino de Deus, e o quarto é a anunciação do perdão dos pecados. Essa proclamação com quatro aspectos apresenta os elementos particularmente cristãos e teológicos que são rapidamente abandonados quando a igreja tenta falar a linguagem da cultura, passando a colocá-los numa posição central – de onde não deveriam ter saído.


Paulo Brabo

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A Pastoral do Medo


Há um bom motivo pelo qual o alarmismo é contagioso e irresistível, e se espalha como a peste pelas veias da internet; há um motivo pelo qual os pregadores invariavelmente demonizam seus adversários, e afirmam haver gigantes insaciáveis onde ficará demonstrado haver moinhos de vento: semear o medo torna as pessoas vulneráveis, e gente vulnerável pode ser manipulada.

O medo só é capaz de dominar quem tem alguma coisa a perder; quem não tem nada a perder não tem a nada temer. Esta é uma equação delicada, especialmente num país como o Brasil, em que a distribuição de renda está entre as dez mais desiguais do mundo (e é um mundo grande): há sempre o risco de que os que não tem nada a perder se levantem contra os que tem tudo a perder.

Em todo o mundo, mas especialmente num país com a nossa história, a classe média ocupa mais ou menos o espaço que ocupava a nobreza nos tempos medievais e coloniais. E, como sabemos o que aconteceu à nobreza em insurreições como a Revolução Francesa, a classe média adentrou a era moderna imbuída de um medo que lhe é absolutamente característico e essencial: o medo da perturbação social.

A classe média sabe desejar o progresso e é capaz de assimilar a mudança, porém (exatamente como a nobreza antes dela) tem absoluto horror à desordem. Seu mundo de shopping centers, de ambientes de ar condicionado e de seguranças na porta (a fim de manter os incompatíveis à distância) deve ser resguardado a todo custo. Passeatas, quebra-quebras, invasões de sem-terra, ladrões que levam o iPad e revoluções de gente faminta devem pertencer ao domínio ilustrativo dos filmes de zumbi. Na verdade, já o constrangimento de ser abordado por uma criança de rua na esquina deve ser aplacado pelo uso preventivo de carros blindados e vidros escuros.

A estabilidade social, entendida como a manutenção de um estado de coisas em que uma minoria administre e se beneficie de recursos que são de todos, é o valor por excelência da classe média. Não há outra verdade eterna que ela esteja disposta a defender.

O medo da perturbação social, no entanto, é genérico demais e precisa encontrar ícones que os encarnem de modo satisfatório. É preciso pulverizar o nosso medo essencial atribuindo-o a culpados e demônios.

E, se quisesse manipular nos nossos dias uma burguesia absolutamente aterrorizada diante da possibilidade de perturbações sociais, que alvos você elegeria? Deixe-me ajudá-lo: elejamos os homossexuais, os que defendem o aborto, os sem-terra, os comunistas.

Cada uma dessas categorias representa, à sua maneira, uma formidável possibilidade de perturbação social; cada uma, à sua maneira, materializa uma ameaça à tranquilidade sanitizada do indefectível universo burguês, em que nada é sujo, nada é feio, nada é controverso e nada é constrangedor.

E que ameaça maior do que um mundo em que a união civil entre homossexuais denuncie diariamente o caráter relativo e historicamente determinado de soluções de convívio que a sociedade toma por normativas? O que parecerá mais perturbador do que um mundo em que gente do sexo masculino ouse definir a sua relação mútua pela afetividade e não pela agressividade e pela competição? Um mundo em que mulheres ousem prescindir do homem para encontrar a sua satisfação sexual e emocional?

Do mesmo modo, será preciso avaliar a ameaça de um mundo em que o aborto exista sequer como possibilidade. Porque este mundo irá postular como legítimo que a mulher exerça controle sobre seu próprio corpo e sobre seu próprio prazer, e esses domínios pertencem por tradição ao âmbito do seu homem.

E que dizer dos sem-terra e dos comunistas, que blasfemam do próprio capitalismo e querem virar o mundo do avesso, ignorando os privilégios milenares da propriedade, da classe social e do lucro, e isso em favor de uma ameaça tão declarada quanto a “igualdade social”? O que pode ser mais inaceitável do que esse ataque direto à estabilidade – à própria existência – do mundo entrincheirado da burguesia?

Se é para preservar o presente mundo das perturbações sociais, será necessário negar qualquer igualdade de direitos civis aos homossexuais, chamando sua demanda de ditadura gay; será preciso abominar o aborto acenando com a bandeira pró-vida, ao mesmo tempo em que escondemos atrás dela os recursos que financiam a morte nas guerras e o horror das crianças vivas que passam fome patrocinada pelo capitalismo; será preciso rejeitar qualquer iniciativa que altere desfavoravelmente (para nós) a distância de segurança entre as castas, tachando-as de paternalismo, assistencialismo, compra de votos e introdução gradual da doutrina comunista.

Pelo menos desde a Idade Média o papel da igreja foi fundamental na definição e na propagação de medos expiatórios como esses. Num sentido muito profundo, a igreja vive de elencar os medos que a sociedade deve ter. Coube tradicionalmente a ela fornecer os demônios cuja execração garanta a continuidade do estado de coisas – e resguarde, no mesmo pacote, a influência que a própria igreja exerce sobre as pessoas.

Aqui está Jean Delumeau, notável mapeador de medos, falando da cidade sitiada que era a sociedade medieval:

Os homens da igreja levantaram os males que [Satã] é capaz de provocar e a lista de seus agentes: os turcos, os judeus, os heréticos, as mulheres (especialmente as feiticeiras). Operaram uma triagem entre os perigos e assinalaram as ameaças essenciais, isto é, aquelas que lhes pareceram tais, levados em conta sua formação religiosa e seu poder na sociedade. Uma ameaça de morte viu-se assim segmentada em medos, seguramente temíveis, mas “nomeados” e explicados, porque refletidos e aclarados pelos homens da igreja. Essa enunciação designava perigos e adversários contra os quais o combate era, se não fácil, ao menos possível, com a ajuda da graça de Deus. Desmascarar Satã e seus agentes e lutar contra o pecado era, além disso, diminuir sobre a terra a dose de infortúnios de que são a verdadeira causa. Essa denúncia se pretendia, pois, liberação, a despeito – ou melhor por causa – de todas as ameaças que fazia pesar sobre os inimigos de Deus desentocados de seus esconderijos.

Basta que se troquem os rótulos – saem turcos, judeus, heréticos e feiticeiras e entram comunistas, homossexuais, feministas e muçulmanos – para que se veja que a igreja permanece elegendo “ameaças essenciais” de modo a beneficiar-se do pavor que a sociedade tem de perder os privilégios da familiaridade.

A igreja formal contemporânea dispõe de uma parcela de poder infinitamente menor do que a medieval, mas isso não torna os seus esforços menos enfáticos. Ao contrário, para resguardar o pouco poder que lhe resta, os homens da igreja se entregarão com paixão inquisitorial à tarefa de elencar demônios e exercer sua faculdade autoimposta de polícia social. E, como observado por Delumeau, parte essencial dessa estratégia é manter os cristãos com uma certa dose de medo de si mesmos – medo de serem contados entre o inimigo, medo de não defenderem com suficiente ardor uma pureza nominal, medo da rejeição institucional e de seus preços.

O problema de uma comunidade dominada pelo medo é que ela pode ser manipulada a ceder a gravíssimas injustiças em nome da preservação de sua tranquilidade idealizada. Dessa forma a Alemanha abraçou de bom grado o discurso nazista, por medo das perturbações sociais encarnadas na ameaça do comunismo e numa suposta dominação judaica mundial. Dessa forma a Itália dobrou-se servilmente ao fascismo e o Brasil à ditadura militar, porque esses autoritarismos berravam ameaças de uma impensável sublevação e de um horrendo nivelamento societário. E, como era de se esperar, esses movimentos de terror contaram com o apoio aberto – e, em alguns casos, o constrangido silêncio – da igreja.

Em que somos menos manipuláveis do que a Alemanha nazista, se tememos as mesmas coisas? Os nazistas temiam que os judeus imprimissem no mundo seus valores, sua supremacia e sua estética, e nós tememos que os homossexuais implantem nele a sua agenda; os nazistas temiam que os comunistas aplainassem as classes ao ponto de uma completa descaracterização nacional, e nós tememos a mesma coisa. Somos nós a cidade sitiada, e o que nos conforta são os gritos do clero explicando o que devemos temer – e assim o que devemos odiar.

A ironia da participação da igreja na disseminação desses terrores está em que o movimento cristão nasceu e se desenvolveu num ambiente caracterizado por formidáveis perturbações sociais. Jesus ganhou fama de rei numa Palestina ocupada em que vinham periodicamente à tona levantes e guerrilhas dirigidas contra os romanos e sua opressão imperialista. O Templo dos judeus não sobreviveu ao sangrento confronto do ano 70 desta era, e poucas décadas mais tarde os próprios cristãos viram levantar-se contra o seu mundo uma longa e implacável perseguição.

Ainda mais paradoxal é reconhecer que, se devemos dar crédito ao Novo Testamento, a maior e mais radical fonte de perturbação social naqueles anos foi o próprio movimento cristão. Dos apelos de João Batista por justiça social até as mesas comunitárias do livro de Atos, passando pelos confrontos de Jesus com todas as elites do seu tempo, o movimento do reino representou uma intransigente e contínua sublevação societária.

Em conformidade com a herança de seu mestre (e causando o mesmo tipo de constrangimento), os colonos do reino levavam por onde passavam as demandas por justiça, por fraternidade universal e pelo amor incondicional entre os homens. Quando a boa nova chegou a Tessalônica, na pessoa de Paulo e Silas, seus adversários não poderiam ter escolhido melhor as palavras para descrever a ameaça de perturbação social que representavam: “esses que estão virando o mundo de cabeça para baixo chegaram também aqui”.

Quando adotamos o discurso do medo, portanto, estamos tentando imprimir sobre a proposta impoluta e subversiva do reino marcas que são incompatíveis com a sua essência e com a sua herança. Porque o Novo Testamento não deixa espaço para dúvida: igreja não é quem teme a perturbação social, mas quem a provoca. Igreja não é quem promove o medo, mas quem o aplaca e o anula pela inclusão e pelo amor. “O amor lança fora todo o medo”, ousou proclamar a provisão imprudente do Espírito.

E nós, o que fazemos? Enquanto a igreja exemplar do livro de Atos aprendia, passo a passo, a incluir o diferente e o tido previamente como inaceitável (a mulher, o aleijado, o eunuco, o gentio), nós demonizamos como inaceitável o homossexual. Enquanto a igreja exemplar do livro de Atos adotava todo o tipo de medidas distributivas e postulava um reino definido pela equidade, nós condenamos como comunismo e como Satanás a mínima provisão que vise apenas desbastar os abismos da distribuição de renda.

E nisso, que fique muito claro, vamos escolhendo aqueles medos que nos mantenham a salvo da nossa vocação.


 
Paulo Brabo

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Um Grande Paradoxo



A tragédia na região serrana do Rio de Janeiro não só nos constrange, como também no meu caso, fiquei perplexo diante do paradoxo que percebi na mensagem pregada em algumas igrejas em que pude fazer numa pesquisa rápida perguntando para algumas pessoas que participaram de cultos entre quarta e quinta feira desta semana.

Em algumas igrejas fizeram orações em prol das famílias que perderam entes queridos, perderam seus bens, perderam amigos, seus negócios e até suas histórias. Algumas “igrejas” (não consegui colocar maiúscula e sem aspas) cultuaram a deus (minúsculo) sem se importar nem com aqueles que morreram, e que inclusive eram irmãos em Cristo. Outra igreja vai fazer uma “grande coisa”, vai pedir aos membros que cooperem com alimentos para poder enviar aos necessitados. (mais uma vez aos membros e sem nenhum envolvimento da estrutura). Você pode notar que nenhum envolvimento maior está sendo feito, nada que exige esforço, me parece aquela oferta que as pessoas dão do que sobeja.

O paradoxo é exatamente a mensagem pregada diante de tragédias como essa. Enquanto pregavam que Jesus daria vitória, que ele mudaria a vida das pessoas que ali estavam, que as portas se abririam porque Ele é aquele que abre e ninguém fecha e fecha e ninguém abre. Ele é o médico dos médicos e que naquela noite Ele estava curando enfermidades.

Eu fico pensando: Porque tanta insensibilidade? Porque tanta indiferença? Porque o Deus que promove tantas coisas boas, de tantas vitórias, curas e abre tantas portas, não encontra numa “igreja” a disposição para pelo menos viver o que prega e manifestar com a vida o amor que é pregado?

Por isso o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas tem afastado para longe de mim o seu coração, e o seu temor para comigo consiste em mandamentos de homens, aprendidos de cor; (Is 29:13).

Esse não é o caso dessa instituição chamada de “igreja”? O fruto desses “cultos” não é a perpetuação de uma insensibilidade pedrada? Será que esse povo que se diz próximo não honra a Deus apenas de lábios e tem o seu coração longe de Deus? Que tal fecharmos os prédios e fazermos um mutirão para Deus abençoar através de nós essas vidas que já perderam tudo, e muitos até a família.

Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos, porque não ouvirei as melodias das tuas liras. (Am 5:23)

A maioria esmagadora dos pastores são amantes de si mesmos e fizeram do ministério seu emprego e meio de lucro. O povo foi acostumdo ao comodismo, e a não procura conferir tudo que está sendo falado. Enfim, está todo mundo satisfeito. O pastor ganha dinheiro, poder e vaidade, e o povo gosta de ser enganado como Jeremias disse em Jr 5.31.

Jeremias 23-1:5

1. Ai dos pastores que destroem e dispersam as ovelhas do meu pasto, diz o Senhor.
2. Portanto assim diz o Senhor, o Deus de Israel, acerca dos pastores que apascentam o meu povo: Vós dispersastes as minhas ovelhas, e as afugentastes, e não as visitastes. Eis que visitarei sobre vós a maldade das vossas ações, diz o Senhor.
3. E eu mesmo recolherei o resto das minhas ovelhas de todas as terras para onde as tiver afugentado, e as farei voltar aos seus apriscos; e frutificarão, e se multiplicarão.
4. E levantarei sobre elas pastores que as apascentem, e nunca mais temerão, nem se assombrarão, e nem uma delas faltará, diz o Senhor.

Pare e pense
Wagner

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Jugo suave


Os rabinos são intérpretes da Lei. Sua ocupação é discernir como viver a vontade de Deus expressa na Lei.

Por esta razão têm autoridade para proibir e permitir, dizer o que pode e deve ser feito para que a Lei seja cumprida e que não pode e não deve ser feito para que a Lei seja abolida. O conjunto de permissões e proibições de um rabino consistia no “jugo do rabino”. Todo rabino tem um jugo, que seus discípulos assumem como a melhor maneira de cumprir a Lei.

Todo rabino ensina sob o jugo de outro rabino. Até que apareça algum rabino que afirme ter seu próprio jugo, independentemente do jugo dos rabinos mais antigos. Para ganhar autoridade de ter seu próprio jugo, o novo rabino deve ser autorizado por pelo menos dois rabinos reconhecidos pela comunidade de rabinos.

Quando um novo rabino ganha autorização para ter seu próprio jugo, é dito que ele ganhou as chaves do reino, e agora está apto para permitir e proibir, isto é, dizer o que deve e o que não deve, o que pode e o que não pode ser feito por quem deseja cumprir a Lei.

Jesus entrou em cena sob o testemunho de João Batista, e sobre ele se materializou o Espírito Santo na forma corpórea de uma pomba, seguida da voz dos céus: “Este é meu Filho amado, ouçam o que ele diz”.

Dessa maneira, Jesus recebeu autorização de duas fontes de autoridade para ter seu próprio jugo, isto é, recebeu as chaves do reino, e desde então passou a ensinar dizendo: “Ouvistes o que foi dito, eu, porém, vos digo”. Convidava pessoas para que se submetessem ao seu conjunto de permissões e proibições dizendo: “Meu jugo é suave e meu fardo é leve”. Ao final de seu ministério terreno disse a Pedro, que representava a igreja, a comunidade dos discípulos de Jesus: “Dou a vocês as chaves do reino”, e assim transferiu à sua igreja a autoridade para ligar e desligar, proibir e permitir.

Os apóstolos compreenderam isso e utilizaram essa prerrogativa em Atos 15, quando decidiram aliviar o jugo que pesava sobre os ombros dos novos cristãos, decidindo que estavam livres de cumprir a Lei de Moisés, devendo observar apenas três ou quatro regras. Em 1Coríntios 7 o apóstolo Paulo também usou “as chaves do reino” para legislar a respeito do divórcio.

No tempo de Jesus os rabinos que seguiam Hilel acreditavam que se podia divorciar por qualquer motivo, enquanto os discípulos de Shamai admitiam o divórcio somente em caso de imoralidade sexual. Jesus concordou com Shamai. Mas o apóstolo Paulo acrescentou mais um motivo legítimo para o divórcio: o abandono pelo descrente por motivo da fé de seu cônjuge convertido.

As comunidades cristãs têm nas mãos as “chaves do reino”, isto é, têm o direito e o dever de avaliar o jugo que se deve impor aos discípulos cristãos em cada contexto sócio-cultural aonde chega o evangelho. Toda comunidade cristã deve ter a coragem de afirmar “pareceu bem a nós e ao Espírito Santo não lhes impor nada além das seguintes exigências...”. Tanto o moralismo legalista quanto a permissividade libertina causam mal às pessoas que pretendem viver de modo digno do Evangelho de Jesus Cristo.


Ed René Kivitz

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Rudolf Bultmann e o encontro com Cristo

Rudolf Bultmann tornou-se uma das figuras mais controvertidas dentre os teólogos cristãos do século passado. Aspectos secundários de seu pensamento teológico são usados por seus críticos, geralmente ligados ao fundamentalismo teológico, a fim de denegrir com rótulos absolutamente falsos o teólogo alemão.

Nasceu em 1884, na cidade de Wiefelstede (Oldenburg), na Alemanha, e, desde a mais tenra idade, foi marcado pela intensa religiosidade de seu lar. Sou avô paterno trabalhou como missionário em Serra Leoa, África, e seu pai era pastor luterano. O ambiente familiar, fortemente carregado pelo pietismo evangélico luterano, foi o fator preponderante que levou o pequeno Bultmann a estudar teologia.

Em 1903, deu início aos estudos teológicos na Universidade de Tubinga. Posteriormente, deu continuidade a seus estudos em Berlim e Marburg. Esta última é considerada seu verdadeiro lar intelectual. Obteve seu doutorado em teologia em 1910, defendendo a tese “O estilo de pregação paulina e a diatribe cínico-estóica”. Estava definida a sua predileção pela exegese, disciplina responsável pelo estudo científico dos textos bíblicos em suas línguas originais, e pela história da igreja primitiva.

Em 1912, obteve habilitação para atuar como professor de Novo Testamento, deixando sua marca em universidades como Marburg, Breslau e Giessen.

Criado como parcela significativa dos teólogos de seu tempo na chamada teologia liberal, Bultmann rompeu com a mesma, juntando-se ao novo círculo de teólogos neo-ortodoxos, ou dialéticos, liderados por nomes como Karl Barth, Paul Tillich e Emil Bruner. Após algumas divergências, em um futuro não muito distante, romperia com boa parte destes pensadores.

Contestando fortemente os pressupostos da teologia liberal, Bultmann deixou o seguinte testemunho: “O objetivo da teologia é Deus, e a acusação contra a teologia liberal é esta: ela não tratou de Deus, mas do ser humano. A teologia, cujo objeto é Deus, só pode, portanto, ter a palavra da cruz como seu conteúdo; esta, porém, é um escândalo para o ser humano. E assim a acusação contra a teologia liberal é que ela se evadiu diante deste escândalo ou tentou suavizá-lo”. Resumindo, para Bultmann, o liberalismo teológico tirou o Cristo crucificado do pensamento teológico.

Com o advento do nazismo, ligou-se prontamente a chamada Igreja Confessante, grupo eclesiástico que unia luteranos e reformados em oposição aos conhecidos “cristãos alemães”, elementos que desejavam a submissão da igreja diante do hitlerismo. Posicionou-se de forma clara contra o parágrafo ariano, lei que proibia a ordenação de pastores de origem judaica.

Como era de se esperar, deixou um legado de importantíssimas obras: A História da Tradição Sinótica (1921), Jesus (1926), Crer e Compreender (três volumes, lançados respectivamente em: 1933, 1952, 1960), e a clássica Teologia do Novo Testamento (1948, 1951 e 1953).

Idéias de Bultmann

Como especialista em Novo Testamento, Bultmann procurou transmitir o centro da mensagem cristã de uma forma que fosse compreensível para o ser humano de sua época, que não enxergava o mundo da mesma forma que uma pessoa do primeiro século. Sem menosprezar a historicidade de Jesus, para Bultmann o que realmente importava a respeito de Cristo era sua mensagem.

Através do kerigma, isto é, da proclamação, o ser humano é desafiado a dizer sim ou não à pessoa de Jesus Cristo. “A convicção de Bultmann foi que apenas com a proclamação da Palavra o acontecimento de Jesus se torna um acontecimento salvífico para nós; a saber, na recepção da fé”, afirma o pastor e teólogo luterano brasileiro Walter Altmann, presidente do Conselho Mundial de Igrejas.

Seguindo a corrente filosófica existencialista de Martin Heidegger, Bultmann chegou à conclusão de que a vida humana é desprovida de qualquer sentido. Tal sentido somente seria preenchido por um contato direto com Deus, obtido exclusivamente pela fé em Jesus Cristo. Temos aqui a reafirmação de um dos principais dogmas da Reforma, o conhecido “sola fide”, isto é, só a fé. Não obstante, a fé, para ser realmente fé, não deve se apoiar em qualquer outro meio que não seja Cristo. Comprovações históricas ou científicas, assim como a atenção demasiada a milagres, levam o ser humano a condicionar sua fé a elementos materiais.

Para o teólogo de Marburg, fé é uma auto entrega completa do ser humano nas mãos de Deus, fé que abre mão de comprovações de qualquer espécie.

Nos dias atuais, infelizmente, o centro da pregação e até mesmo da fé cristã está sendo invertida. De um lado, grupos fundamentalistas firmam suas crenças em supostas comprovações científicas de pormenores insignificantes do texto bíblico. Não percebem que, desta forma, estão submetendo Deus ao pensamento humano. Em outra esfera, a fé tem sido um exercício baseado apenas em milagres e prodígios que visam à satisfação material das pessoas. Cristo tem sido seguido por aquilo que ele pode proporcionar, não pelo que ele realmente é, o único capaz de conceder um verdadeiro sentido à alma carente de Deus.

Por esta razão, a teologia de Rudolf Bulmann, que nada mais é do que a valorização do encontro desinteressado da pessoa com Cristo, pode ser uma ferramenta para a proclamação do evangelho ao mundo moderno.


Bultmann por ele mesmo

“A fé verdadeira em Deus não é o reconhecimento que se dá a uma imagem de Deus, por mais correta que seja; é, antes, a prontidão para o fato de que o eterno quer encontrar-se conosco, a cada momento, no presente, nas mais variadas situações da vida.



POR : ANDRÉ TADEU DE OLIVEIRA

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio


A passagem do Novo Testamento que me levou a pensar no que escrevi nesta reflexão foi aquela em que o Mestre curou o criado de um centurião romano.

O texto é fantástico como tantos outros apresentados nos evangelhos!

Mas dois versículos que sempre passam despercebidos são centrais em todo o contexto daquele momento vivido pelo Senhor Jesus.

Refiro-me aos versículos 11 e 12, nos quais Ele diz: ...muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes.

Um fundamentalista imediatamente diria: claro, muitos virão e se assentarão à mesa com os patriarcas se converterem a Jesus Cristo. Contudo há uma observação simples para ser feita. O Mestre não diz que muitos virão e se converterão; Ele apenas diz que muitos virão e tomarão lugares.

Mais simples ainda fica essa leitura, quando se observa com cuidado a importância do centurião nessa história. Ele é a chave de tudo e a sua fé é o ponto de partida.

É importante lembrar que o centurião não era nem judeu nem discípulo de Jesus, logo não era membro do Judaísmo, muito menos do Cristianismo que ainda nem existia. Possivelmente, aquele centurião, como todo bom e autêntico soldado romano, era adorador de vários deuses e provavelmente do imperador romano. Numa linguagem cristã, ele era pagão, numa linguagem mais coerente, ele era um religioso politeísta.

Há ainda a hipótese de que nem religioso politeísta ele era, mas apenas um homem que de judeu e de seguidor de Jesus não tinha nada.

Uma segunda observação: ele não se torna cristão após a cura de seu criado. O texto nem relata isso, pois se ele tivesse se convertido, certamente estaria relatado. Mas não, ele permanece na condição (a) religiosa em que se encontrava quando foi procurar ao Mestre.

Portanto, o que um texto deste, se lido a olho nu, sem as lentes da religião cristã, sem os óculos da teologia sistemática ortodoxa e sem os pré-conceitos do fundamentalismo, poderá significar a não ser que Jesus Cristo é o Caminho, a religião e aqui entra o Cristianismo também o desvio, e a Graça o meio através do qual Deus salva o ser humano, seja ele alguém que se converterá em algum momento ao Evangelho ou não?

Neste sentido, não dá mais para afirmar que um ser humano que passa a sua vida inteira sem freqüentar uma igreja de crentes, irá para o inferno só porque não teve tal experiência. Graças a Deus, em muitos casos, pois há pessoas que quando resolvem freqüentar uma denominação evangélica se tornam loucas, manipuladas, bitoladas, cegas espiritualmente, enganadas, alienadas, bestializadas, e tudo o que for possível entrar nesta lista, menos alguém que de fato conheceu e compreendeu o Evangelho da Graça.

Com isso, quando muitos se convertem às igrejas de crentes, acreditam que estão no Caminho, quando na verdade estão no desvio. Têm uma facilidade enorme para apontar quem vai e quem não vai para o Céu, contudo, não se percebem como pessoas que carecem da Graça de Deus ainda mais, pelo simples fato de serem pessoas que não sabem fazer outra coisa, a não ser julgar o próximo.

Nisto creio e afirmo com todas as letras: Cristo é o Caminho, pois é capaz de salvar e ver fé genuína em um centurião romano, adorador de deuses estranhos, pagão e adorador do imperador, mas o Cristianismo é o desvio, pois consegue maquiar-se com as belezas sublimes do Evangelho, mas vive uma religião semelhante à dos fariseus dos tempos de Jesus, que eram zelosos e ortodoxos no que se refere à obediência ao texto, mas cegos na prática, sobretudo, por julgarem com facilidade, seres humanos que eram tão imperfeitos quanto eles.

Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois este pratica as maiores e mais terríveis atrocidades em nome de Deus; Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois este ensina as pessoas, a ingênua e inocentemente negociarem com Deus a fim de conseguirem prosperidade financeira, como se Ele tivesse interesse em enriquecer materialmente os seus filhos; Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois burra e admiravelmente se tornou a religião que menos entendeu os ensinamentos de seu próprio fundador se é que Jesus foi o fundador desse negócio; Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois consegue levar as pessoas a acreditarem que os não-cristãos irão para o inferno só porque não se tornaram cristãos, como se Deus só pudesse salvar pessoas por meio de experiências religiosas dentro das paredes da religião cristã; Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois este em vez de tornar a caminhada cristã uma caminhada de liberdade e descanso, torna-a ainda mais penosa, turbulenta, repleta de regras e cargas a serem carregadas; Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, pois em vez de manter as pessoas que acreditam estarem servindo ao Jesus apresentado nos evangelhos, consegue desviá-las a qualquer outro caminho que não é o Caminho da Graça de Deus em Cristo.

Cristo é o Caminho, o Cristianismo é o desvio, por tantos outros e infindáveis motivos! Cabe agora a criatividade de cada um para continuar nesta reflexão, se é que para enxergar as discrepâncias existentes entre Cristo e o Cristianismo, seja uma tarefa que exija muita criatividade. Penso que não.



JEFFERSON RAMALHO


Na Graça,