quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Jesus Terreno e o Cristo Extraterrestre





O primeiro capítulo do livro de Atos dos Apóstolos narra uma das separações mais dramáticas da história, a ascensão de Jesus ao céu diante dos olhos marejados e perplexos de seus discípulos. A cena inspirou artistas plásticos e poetas ao longo de dois milênios; no que me diz respeito sua encarnação mais notável é a seqüência final de E.T., o Extraterrestre (Steven Spielberg, 1982), em que Elliott e seus familiares, embalados por uma fantástica brisa sublunar e pela trilha sonora espetacular de John Williams, observam a nave de E.T. desaparecer no céu estrelado deixando um rastro que é um arco-íris quase horizontal.

Steven Spielberg já deixou muito claro que E.T. não deve voltar à terra numa continuação, e esperemos que fale sério; Jesus, ao contrário, assegurou aos seus fãs que retornaria. Quando se leva em conta que Atos é uma Parte 2, uma declarada continuação do evangelho de Lucas, deve ficar claro que trata-se de uma continuação cuja dramaticidade é imediatamente prejudicada pela ausência do protagonista da Parte 1. É como se Spielberg resolvesse filmar uma continuação de E.T. em que o próprio E.T. não aparecesse na tela em momento algum. Poderia ser até um grande filme, mas muita gente sairia do cinema sentindo-se traída; a expectativa de um fã/seguidor é ver a tela cheia com o rosto familiar do protagonista – ou contar pelo menos com o consolo de saber que seu nome não está sendo usado em vão numa continuação que nada tem a ver com ele.

O momento mais importante da narrativa é portanto este, o da seminal cisão na experiência da humanidade com Jesus. “E, quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos.” Terminara visivelmente a era do Jesus terreno e começava uma inconcebível outra, em que o Filho do Homem angariaria uma nova fama e um novo nome. Os protagonistas do livro de Atos teriam de conviver, pela primeira vez, com a idéia e com as implicações de um Cristo extraterrestre.

Em termos históricos, o Jesus terreno é o indomável rabi de pés empoeirados que contava histórias cheias de ironia, bebia com agiotas e tinha os pés massageados por prostitutas. É o homem que desdobrava bem-aventuranças, dizia que os pecadores são gente mais notável do que os carolas e ensinava que para serem dignos de Deus (“filhos de Deus”, ele dizia) seus seguidores deveriam amar os seus inimigos e emprestar sem esperar receber de volta. O homem muito real que comia, chorava, abraçava, dormia, pedia água, sangrava e morreu.

O Cristo extraterrestre é o Jesus ressurreto e coroado de glória, ausente em pessoa porque está presente no céu, sentado no lugar de absoluta honra à direita de Deus. É o Jesus dos hinos de Paulo, o Adão que deu certo, o irmão mais velho de uma nova e afortunada geração, o admirável Senhor em quem reside, vertiginosamente, “toda a plenitude”. É o Verbo cósmico de volta ao seio da divindade; é o Messias sofredor em sua nova carreira de Rei da Glória. O Cristo extraterrestre é o Jesus de todas as teologias tradicionais: o grande Salvador, o grande Senhor, o grande e terrível Unigênito de Deus. É o interventor que intercede constantemente em favor da justiça, o Filho que merece a admiração incessante do Pai (e portanto do universo), o juiz que aguarda impaciente o momento de retribuir, o derramador de graça em nome de quem são feitas todas as orações. É um homem espiritual, e os teólogos não estão certos sobre se restam em seu corpo espiritual cicatrizes da terra.

A partir deste ponto, como veremos, a narrativa de Atos (e na verdade todo o restante do Novo Testamento) só terá aparentemente olhos e ouvidos para o Jesus extraterrestre, o Cristo ressurreto. Se digo “aparentemente” é porque espero que quando os testemunhos forem devidamente ouvidos não seja realmente assim. Se o Jesus terreno era o sujeito notável que penso que era, deve ser possível encontrar traços de sua radioatividade nas aventuras posteriores dos seguidores do Cristo extraterrestre.

Porém, neste momento da nossa própria narrativa pessoal, estabelecer a distinção entre o Jesus terreno e o Cristo extraterrestre pode ser relevante por mais de um motivo.

Em primeiro lugar, analisar essa distinção é importante porque, embora o Cristo extraterrestre esteja longe de ser unanimidade, o Jesus terreno conta com a admiração de praticamente todo mundo. Ateus, agnósticos, muçulmanos, hindus, judeus e ideólogos de todas as estirpes, mesmo quando demonstram repugnância diante da história da igreja ou da idéia da divindade de Cristo, estarão em grande parte dispostos a admitir a singularidade e a relevância do Jesus terreno. Mesmo quem recusa-se com convicção a ajoelhar-se diante do Deus Filho acaba dobrando-se voluntariamente diante do Filho do Homem.

É incrível reconhecer que o Jesus da narrativa dos evangelhos, o Jesus anterior a qualquer teologia, angariou irresistivelmente (e continua angariando) a admiração de gente que não via nada de particularmente admirável no cristianismo institucional. Agnósticos convictos como H. G. Wells, salvadores da humanidade como Gandhi, miseráveis como Tolstoi, teimosos como Nietzsche e pensadores radicais como Wilhelm Reich – todos esses críticos empedernidos do cristianismo – deixaram singelo testemunho de sua admiração pelo Jesus dos evangelhos: alguns ao ponto de se considerarem seguidores dele.

Vê-se portanto, que a cisão entre o Jesus da terra e o do céu deixou uma fratura histórica que ziguezagueou obedientemente até a nossa porta. A rachadura ainda divide o mundo. Grosso modo, os cristãos sentem repugnância pelo mundo e atração pelo Cristo extraterrestre; o mundo sente atração pelo Jesus terreno e repugnância pelos cristãos.

O que me interessa em especial é determinar por que os cristãos, historicamente falando, abraçaram com convicção o Jesus “espiritual” da teologia e relegaram a um distante segundo plano o Jesus de carne e osso e suas impensáveis exigências. Parte da resposta, obviamente, acabo de dar.

Essa obsessão dos cristãos com o Cristo extraterrestre é o segundo motivo pelo qual creio que a questão precisa ser resolvida ou pelo menos adequadamente equacionada. Quando e de que modo ficou determinada a “vitória” final do Cristo ressurreto sobre o Jesus de carne?

Que sua vitória foi esmagadora não espero que ninguém ouse negar. Quando pensam em Jesus – dizendo melhor, quando pensam num Jesus relevante para o momento presente – os cristãos pensam inevitavelmente no Cristo extraterrestre. É diante dele que despejam suas súplicas e suas reclamações; é sua companhia que almejam e seu conforto que esperam; é a ele que adoram e é no seu esplendor que entrevêem a glória do próprio Deus. É sua voz que esperam ouvir.

O Jesus de carne e osso dos evangelhos (sua postura, sua companhia, suas ironias, suas lealdades) é visto secretamente como manifestação embaraçosa do insondável senso de humor divino. Ao mesmo tempo esse Jesus terreno é publicamente respeitado como honroso precursor, um segundo João Batista cuja função era preparar o terreno para a chegada do novo e aprimorado Jesus da glória. O rabi da Galiléia é visto como um ponto provisório do trajeto, não o Caminho em si.

Devidamente orientados pelos que interpretaram a narrativa para nós, os cristãos aprenderam a não procurar Jesus na terra. Procuramo-lo incessantemente no céu, que é o seu ambiente.

Como fulcro desse escândalo todo, o testemunho do livro de Atos deve ser considerado importante, talvez vital. Aqui estão as vozes e as vidas da única geração para a qual esses dois adversários, o Jesus terreno e o Cristo extraterrestre, eram uma mesma e espantosa pessoa. Esses seus seguidores, que tinham ouvido do Jesus terreno que não se pode servir a dois senhores, teriam que determinar em pouco tempo sobre quem deitariam as suas lealdades.

E a primeira voz divina que ouviram, enquanto ainda olhavam assombrados para a nuvem que ocultara deles o seu Jesus, explicou-lhes que Jesus não deveria ser procurado no céu.


Por Paulo Brabo


Muito bom!
Wagner

5 comentários:

  1. Muito bom mesmo esse texto do Paulo Brabo.

    Gostaria apenas de acrescentar ao texto para a nível de complementação, mais um ponto de vista, porque a igreja dita cristã tem como ideal o cristo da gloria do que o cristo da cruz:

    Pelo simples fato de o cristo que andou e sujou os seus pés na empoeirada palestina, venho esvaziado do seu poder, humanizado e fragilizado se dispôs a ajudar os pobres e abraçar os pecadores, nos ensinado o amor de um servo, que se despe do egoísmo, desce do pedestal, valorizando o próximo com sua vida, se doando com muito amor pela causa da humanidade.

    Em compensação o cristo glorificado no apocalipse, é o todo poderoso, rei dos reis e senhor dos senhores, ou seja, é o grande Deus, que tem poder para resolver todos os problemas, que opera até o impossível.

    O evangelho não foi muito bem entendido pelos evangélicos, pois não entenderam que o evangelho é uma causa, um ideal para o cristão que assim crer, pois fomos chamados para servir, para antecipar o reino no aqui e agora, valorizando a vida e trazendo justiça e igualdade entres todos os homens.

    Mas ao invés disto, se apequenaram e empobreceram os significativos ensinamentos de cristo, numa proposta antropocêntrica, que o culto se resume em ir buscar uma benção!!

    O cristo servo que andou entre nós, não precisar ser deus para ser divino, pois o que o torna mais divino e sua humanização!!!!

    Abraços

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  2. Eita cara Brabo sô!

    Mas que ficou brabo foi eu pois ele passou a minha frente na analise da questão.

    Mas na verdade mesmo que sentimos algumas coisas sozinhos, outros bem lá atrás já sentiram o mesmo.

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  3. Se realmente existe uma Inteligência universal que sustenta todas as outras inteligências e com elas interagi, então a crença num Criador não há nada de errado. Crer que existe um Deus, não torna um cientista menos desqualificado para estudar ciência. Aliás, até os que se intitulam ateus, precisam de fé para acreditar que não existe Deus, tanto o criacionismo quanto o evolucionismo são proposta que necessitam de fé. Retornando aos comentários bíblicos sobre vida extraterrena, quando Yahweh, o Deus hebreu, fez aliança com o povo de Israel, ele chamou os céus como testemunhas. É obvio que planetas e estrelas sem vida não pode testemunhar. Ele chamou camadas de autoridades de seres celestiais, “inteligências não deste mundo,” ou como muitos chamam de “anjos” (Dt: 30.19). Existem alguns versos misteriosos na bíblia. No que diz respeito à vida extraterrestre, que é tema de filmes, novelas, documentários, os ufólogos na maioria das vezes fantasia demais. O próprio Jesus afirmou ser extraterreno, alguns cristãos assustam-se com tal afirmação, mais Jesus falou: “ Vós sois cá de baixo, eu sou lá de cima; vós sois deste mundo, eu deste mundo não sou.( Jo:8.23) e: “ O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim... (Jo: 18.36). Cristo não é deste mundo, portanto é extraterrestre, isto é, de outro mundo. Alguns ufólogos e seitas rejeitam a divindade de Cristo e suas palavras. Uns dizem que ele foi um líder político, outros, um mestre espiritual, algumas religiões orientais dizem que ele foi apenas um avatar, um sábio, ou extraterrestre qualquer. Só para refutar estas questões: Cristo não era um sábio, um sábio não sairia por ai se alto declarando que é Deus, um político não falaria de ressurreição e vida após a morte. Um avatar? Acho difícil, Jesus nunca pregou reencarnação, um extraterrestre qualquer? Ele era, não um qualquer. Ele era um grande sábio e Deus ao mesmo tempo, interessou-se por política? Sim, mais era e é Deus. Muitos ateus podem até rejeitar essas questões, mais cristo dividiu a historia, e por ser loucura suas palavras eles rejeitam completamente.

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  4. Fala sério, os Atos dos Apóstolos só foram escritos no segundo século, muito tempo depois de os supostos eventos cósmicos terem ocorrido, ou seja, o autor do livro de Atos usou de toda sua criatividade e fez um remendo ao tentar hamonizar a figura de Paulo de Tarso (o verdadeiro fundador do cristianismo) e as historietas dos evangelhos (fabricados pelos gentios e judeus-convertidos procedentes das igrejas paulinas) mesclando elementos das culturas judaicas e helênicas. Vários outros deuses prometeram voltar um dia (Mithras, Quetzalcoatl, Krishna, Buddha e, logicamente Jesus) Isso não significa que tais figuras tenham realmente existido, apenas que os nossos ancestrais anteviram um acontecimento que pode estar perto de ocorrer: o Advento da Nova Era.

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  5. Quero responder aos anônimos, mas como anônimos fica difícil.

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