quarta-feira, 21 de julho de 2010

“Quem dizes que eu sou?”


Conta-se que Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo”. Ainda é possível usar essas mesmas palavras? Elas têm alguma flexibilidade? Alguma abertura a novos significados? Se estiverem presas ao seu passado teísta, em significados pelos quais têm sido tradicionalmente entendidas, então devemos descartá-las por sua insignificância.

Seria honesto arrancar essas palavras daquele passado e abri-las a novos significados? Acredito que sim. Palavras mudam. Percepções da realidade e até Deus, mudam. Explicações distorcem a verdade com o passar do tempo. Então a pergunta real a que devemos responder é: Conseguiremos capturar a essência desse Jesus em palavras que transcendem os modelos do passado, mas que ainda sejam capazes de afirmar – e de convidar meu mundo a afirmar – a experiência de Cristo? Ou seja, uma vez anulado o conceito do teísmo, esse Jesus ainda poderá constituir uma experiência de Deus para nós? Ainda poderá ser uma porta pela qual chegamos à expressão do sagrado? As respostas a essas perguntas determinarão com clareza se aquilo que buscamos é uma reforma autêntica do cristianismo ou se estamos iludidos e, a partir do temor reprimido, tentando esconder ou mascarar a morte do cristianismo.

Se o teimo não existe mais, poderá o nome de Jesus continuar soando doce aos ouvidos dos fiéis, levando nossos joelhos a se dobrarem em reverência?

Quando começamos a explorar a vida desse Jesus desvinculado da estrutura teísta do cristianismo passado, energizado e até encantado ao ver emergir uma visão inteiramente nova. O que vejo é um novo retrato de Jesus. Ele foi mais profunda e plenamente vivo que qualquer outra pessoa que conheci em minha vida, na história ou na literatura. Vejo-o apontando para algo que ele denomina “Reino” de Deus, onde novas possibilidades exigem nossa consideração. Vejo-o retratado como aquele que constantemente demonstrava as barreiras que separa as pessoas uma das outras. Vejo-o convidando seus seguidores a juntar-se a ele para caminharem sem temor para além daqueles limites de segurança que sempre proíbem, bloqueiam ou negam o nosso acesso a uma humanidade mais profunda. Talvez, sobretudo, ele seja para mim um eliminador de fronteiras, que me permite visualizar a possibilidade de minha própria humanidade atravessar minhas barreiras humanas para alcançar a divindade que sua vida revela, que de fato nós, cristãos, dizemos que ele possui.

Vejo Jesus como aquele que chama a todos que o cercam para caminhar para além de seus temores tribais. No tempo de Jesus, o povo judeu organizava avida para ter o mínimo de contato social possível com os gentios. A barreira era enorme. Os judeus julgavam-se separados dos gentios pela circuncisão, ordenada pela Torá, e pelo regime da alimentação. Seu status “separado” era assumido por ordem de Deus. Entretanto, Jesus é retratado como uma pessoa que convidava outros a deixarem de lado seus medos tribais e xenófobos e darem um passo além dessa fronteira. Parece lhes dizer que uma nova humanidade habita do outro lado desses temores.

Não é de admirar que Jesus tenha provocado a hostilidade que o levou à morte, já que deixou claro que não permitiria concessões a essa visão.

Fronteiras tribais são poderosas divisoras da vida humana. Elas dão origem aos mais desumanos comportamentos da humanidade. Entretanto, no retrato bíblico de Jesus, o vemos relativizando essas linhas divisórias e convidando as pessoas a entrar na experiência da humanidade não tribal. Creio que esse é um passo importante para transpormos nosso sistema de segurança evolucionário, refletindo um chamado para que nos tornemos algo que nós, seres humanos, jamais fomos. É um convite para entrarmos na nova existência sobre a qual Tillich escreve – Uma humanidade sem barreiras, uma humanidade sem reivindicações defensivas por causa de temores tribais, uma humanidade transformada, tão plena e tão livre que a presença de Deus se torna perceptível dentro dela.

A Bíblia também retrata Jesus como aquele que vai além das barreiras do preconceito humano.

O preconceito amarra a vida humana de tal forma que diminui nossa própria humanidade. Quanto mais preconceitos temos, menos humanos somos. Portanto, o preconceito é uma técnica da sobrevivência exigida pelo egocentrismo de nossa reação à incerteza da auto consciência. Mas Jesus é mostrado nos Evangelhos com alguém que relativizava essa habitual paixão negativa.

Jesus entendia, como todos nós mais cedo ou mais tarde entenderemos, que Deus não pode ser confinado nos limites de nossos sistemas religiosos. Quando reivindicamos a verdade máxima para nossa versão de Deus, nossa revelação, nossa igreja, nossa fonte de autoridade, ou mesmo nossos líderes eclesiásticos, estamos de fato construindo outro muro de proteção em volta de nossa insegurança.



Pare e reflita

Um Novo Cristianismo Para um Novo Mundo

John Shelby Spong

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