sábado, 27 de fevereiro de 2010

Uma Parábola da Graça



‘Um trem corre veloz para o seu destino. Luzidio. Corta os campos como uma seta. Fura as montanhas. Passa os rios. Desliza como um fio em movimento. Sem obstáculos. Fagueiro. Perfeito, na forma, na cor, e na velocidade. (Na verdade nada atrapalha a sua possível, devida e significante meta. Seus vagões parecem dançar numa espécie de lindo balé. No vagão restaurante encontram-se algumas mesas É interessante percebermos que há mesas e pessoas sentadas nelas! Nos demais vagões, outras pessoas vivem seus sonhos).

Lá dentro se desenrola o drama humano. Gente de todas as gentes. Homens e mulheres, velhos, jovens e crianças. Gente que conversa. Gente que cala. Gente que trabalha. Gente que deixou de trabalhar. Gente de negócios, preocupada. Gente que contempla a paisagem, serenada. Gente que cometeu crimes. Gente que gastou a vida servindo a outros. Gente que pensa mal de todo mundo. (Gente que gasta o tempo com fofocas). Gente solar que se alegra com o mínimo de luz em cada pessoa e circunstância. Gente que adora ou detesta viajar de trem. Gente que é contra o trem. Não deveria haver trens, dizem (gente que pensa até furar as rodas do trem). Ferem a sacralidade das montanhas. Gente que planeja trens mais rápidos. Gente que errou de trem. Gente que não se questiona. Sabe que está no rumo certo. E sabe a que horas chega em sua cidade. Gente ansiosa que corre para os primeiros vagões no afã de chegar antes que os outros. Gente estressada que quer retardar o mais que pode a chegada e se coloca nos últimos vagões. E absurdamente gente que pretende fugir do trem, andando na direção oposta do trem, (tentando até pular do trem).

E o trem impassível segue seu destino, traçado pelos trilhos. Despreocupadamente carrega a todos. Não carrega menos o criminoso que a pessoa de bem. E não deixa de carregar gentilmente também os seus contraditores. (Aliás, não deixa ninguém na mão). A ninguém se furta. Serve a todos e a todos propicia uma viagem que pode ser esplendorosa e feliz. E garante deixá-los na cidade inscrita em sua rota.

Neste trem, como na vida, todos viajam gratuitamente. Uma vez em movimento, não há como fugir, descer ou sair. Está entregue a lógica da linha do trem. A liberdade se realiza dentro do trem e na direção que tomou. Cada um pode ir para frente ou para trás. Pode querer mudar de vagão, viajar sentado ou em pé, deter-se longamente no vagão-restaurante (sentar-se à mesa) ou fugir do controle, escondendo-se nos banheiros. Pode gozar da paisagem ou se aborrecer com os vizinhos de assento. Pode viajar rezando ou blasfemando a vida e seus dissabores. Nem por isso o trem deixa de correr para o seu destino infalível e carregar a todos cortesmente.

Há gente que decididamente acolhe o trem. Alegra-se com sua existência. Desfruta as paisagens. Faz amizades com companheiros de viagem. Lá onde está sentado, preocupa-se para que todos se sintam bem. E irrita-se quando vê maltratarem as poltronas e adverte os que escrevem grafitis nas paredes das cabines. Mas não perde o sentido da viagem nem por causa das querelas nem por causa do desfrute.

Como é maravilhoso que exista um trem e que nos leve tão depressa para casa, onde cada um é esperado com ansiedade, quando os braços serão longos e a alegria intensa e transbordante.

A graça de Deus - a presença, a misericórdia, a bondade e o amor de Deus é assim como um trem. O destino da viagem é Deus. O caminho é também Deus porque o caminho não é outra coisa que o destino se realizando metro a metro. O caminho só existe por causa do destino a ser alcançado. Quem precisa percorrer cem mil metros para chegar à sua cidade deve, antes de tudo, começar com o primeiro metro. Caso contrário, não percorre os cem mil.

A graça carrega a todos. Dá-se a todos como chance de boa e excelente viagem. Também aos inconformados, aos intrigantes e aos inimigos do trem, dos homens e de Deus. Com a negação o trem não se modifica. Também não a graça de Deus. Só o ser humano se modifica. Estraga a sua viagem. Mas é carregado do mesmo jeito com igual gentileza. Deus, que é graça e misericórdia, faz como o sol e a chuva. Dar-se indistintamente a bons e a maus, a justos e a injustos porque, diz Jesus, Ele “ama os ingratos e maus”.

Acolher o trem, se alegrar com sua direção, correr com ele, enturmar-se com os companheiros de destino é já antecipar a festa da chegada. Viajar é já estar chegando em casa. É o que é a Graça. Graça é a glória no Exílio, glória que é a Graça na “Pátria”.

Rechaçar o trem, perturbar a viagem dos outros, correr ilusoriamente contra a direção do trem, é viver uma frustração. Mas de nada adianta. O trem suporta e carrega também a estes frustrados, com toda paciência e bondade.

A vida, como a Graça, é generosa para com todos. Ela, de tempos em tempos, entrega a sua verdade secreta. Ela nos faz cair na realidade. Nesse momento - e sempre há o momento propício para cada pessoa - O recalcitrante cai em si, percebe então que é carregado gentil e gratuitamente. De nada adianta sua resistência e revolta. O trem o carrega de todos os modos. O mais razoável é escutar o chamado de sua natureza e deixar-se reduzir pela oportunidade de uma viagem feliz.

Neste momento desfaz-se o inferno dentro dele e irrompe gloriosamente o céu, a graça humanitária de Deus. Descobre a gratuidade do trem, de todas as coisas, da graça e de Deus. Entrega-se à aventura com Deus que não conhece fim. É a salvação final. A grande pergunta é: Como estamos viajando?'
Teologia da Mesa
Damasceno Penna
Pare e pense
Wagner

5 comentários:

  1. Wagnão, cada dia que passa você nos tem surpreendido com textos magníficos.

    Eu também creio assim, para falar a verdade, como já escrevi na última postagem do Gresder, em duas possibilidades de salvação:
    A primeira é a salvação da salvação do universalismo.
    A segunda é a salvação da deletação da humanidade.

    A única diferença, como escreveu Damasceno é:
    “Como estamos viajando?”

    Ou seja, não devemos cometer pecados (pecado para mim significa destruição do eu e do próximo) não porque vamos para o inferno, ou seremos aniquilados, mas porque prejudica nossa e a dos outros, viajem aqui.

    Da mesma forma, não devemos praticar atos justos e bondosos, por causa de um céu glorioso, mas simplesmente, ajudarmos os outros a viajarem mais tranqüilos e em paz, fazendo se isto, estaremos também viajando no trem da graça salvadora, em paz com nossa consciência.

    Ótima reflexão, valeu mano mais uma vez.
    Abraços

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  2. Marcio

    Eu coloquei o texto exatamente pensando na postagem do Gresder.

    Um abraço

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  3. Valeu Wagnao pela “homenagem” rsrs

    Adorei o texto e estou com o Marcio ou ele esta comigo? rsrs no mesmo pensamento de ou salvação universal ou apagão geral.

    Qualquer uma das duas esta ótima, uma corresponde a razão e outra a esperança da fé.

    Numa deus é energia produtora inconsciente que leva a consciência do ser ao seu descanso absoluto, outra deus é o Deus pessoal criador do mundo e salvador de toda a humanidade.
    Numa Jesus é maior expressão desta grande FORÇA sendo apenas homem que morreu e foi imortalizado pelos mitos que surgiram dele, noutra Jesus é o filho gerado desde a eternidade que veio para salvar a humanidade.

    Não vejo outra opção para se crer e pensar a não ser nestas duas.

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  4. Caros amigos, isso de dizer "é assim ou assado" pode ser chamado de fé? como vocês trabalham a fé? como a fé pode dizer que é assim ou é assado?
    Como entra a questão da "salvação pela fé no sacrifício de Jesus" na parábola do trem que está carregando todo mundo?

    Não sei se como disse o gresder, uma posição é racional e a outra é por fé. Para mim, ambas só podem ser crenças.
    É só pra pensar

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  5. Duzinho

    Vou tentar te responder, seguindo a ordem das perguntas, ok?

    Dizer ser “assim ou assado” não constitui fé, pois fé vai além da razão, porém, quem tem fé, tem razões de fé por assim dizer.

    Eu trabalho crendo no que entendo, e procuro entender o que eu creio.

    Pela simples razão de fé.

    Simplesmente não entra!! Isto é mais uma questão de fé, do que fato, pois salvação universalista, seja pela salvação da salvação, ou salvação da deletação, é universal, independente das crenças e razões.

    Concordo com você, só muda que uma é a crença apoiada na razão da razão, e a outra esta apoiada na razão do coração.

    Espero ter respondido as suas questões, ok?

    Abraços

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