sábado, 6 de março de 2010

"Se não vos converterdes, todos perecereis"







Disse Jesus nos evangelhos:"Se não vos converterdes, todos vós perecereis". Quis dizer: "Se não mudardes de modo de ver e de agir, todos vós perecereis". Nunca estas palavras me pareceram tão verdadeiras como quando assisti a Crônica de Copenhague, um documentário da TV francesa e passada num canal fechado no Brasil e, suponho, no mundo inteiro. Na COP-15 em Copenhague em dezembro último, se reuniram os representantes das 192 nações para decidir a redução das taxas de gases de efeito estufa, produtores do aquecimento global.

Todos foram para lá com a vontade de fazer alguma coisa. Mas as negociações depois de uma semana de debates acirradíssimos chegaram a um ponto morto e nada se decidiu. Quais as causas deste impasse que provocou decepção e raiva no mundo inteiro?

Creio que antes de mais nada não havia suficiente consciência coletiva das ameaças que pesam sobre o sistema-Terra e sobre o destino da vida. É como se os negociadores fossem informados de que um tal de Titanic estaria afundando sem se dar conta de que se tratava do navio sobre o qual estavam, a Terra.

Em segundo lugar, o foco não estava claro: impedir que o termômetro da Terra suba para mais de dois graus Celsius, porque então conheceremos a tribulação da desolação climática. Para evitar tal tragédia, urge reduzir a emissão de gases de efeito estufa com estratégias de adaptação, mitigação, concessão de tecnologias aos países mais vulneráveis e financiamentos vultosos para alavancar tais medidas. A preocupação agora não é garantir a continuidade do status quo mas dar centralidade ao sistema Terra, à vida em geral e à vida humana em particular.

Em terceiro lugar, faltou a visão coletiva. Muitos negociadores disseram claramente: estamos aqui para representar os interesses de nosso país. Errado. O que está em jogo são os interesses coletivos e planetários e não de cada pais. isso de defender os interesses do país é próprio dos negociadores da Organização Mundial do Comércio, que se regem pela concorrência e não pela cooperação. Predominando a mentalidade de negócios funciona a seguinte lógica, denunciada por muitos bem intencionados, em Copenhague: não há confiança pois todos desconfiam de todos; todos jogam na defensiva; não colocam as cartas sobre a mesa por temerem a crítica e a rejeição; todos se reservam o direito de decidir só no último momento como num jogo de pôquer. Os grandes jogadores se omitiram: a China observava, os EUA calavam, a União Européia ficou isolada e os africanos, as grandes vítimas, sequer foram tomados em consideração. O Brasil no fim mostrou coragem com as palavras denunciatórias do Presidente Lula.

Por último, o fracasso de Copenhague - bem o disse Lord Stern lá presente - se deveu à falta de vontade de vivermos juntos e de pensarmos coletivamente. Ora, tais coisas são heresias para espírito capitalista afundado em seu individualismo. Este não está nada interessado em viver juntos, pois a sociedade para ele não passa de um conjunto de indivíduos, disputando furiosamente a maior fatia do bolo chamado Terra.

Jesus tinha razão: se não nos convertermos, vale dizer, se não mudarmos este tipo de pensamento e de prática, na linha da cooperação universal jamais chegaremos a um consenso salvador. E assim iremos ao encontro dos dois graus Celsius de aquecimento com as suas dramáticas consequências.

A valente negociadora francesa Laurence Tubiana no balanço final disse resignadamente:"os peixes grandes sempre comem os menores e os cínicos sempre ganham a partida, pois essa é a lógica da história". Esse derrotismo não podemos aceitar. O ser humano é resiliente, isto é, pode aprender de seus erros e, na urgência, pode mudar. Fico com o paciente chefe dos negociadores Michael Cutajar que no final de um fracasso disse: "amanhã faremos melhor".

Desta vez a única alternativa salvadora é pensarmos juntos, agirmos juntos, sonharmos juntos e cultivarmos a esperança juntos, confiando que a solidariedade ainda será o que foi no passado: a força secreta de nossa melhor humanidade.


Leonardo Boff
Pertinente e urgente!


Wagner

7 comentários:

  1. Wagnão, eu também me preocupo muito com o tipo de vida e de planeta que estamos a deixar para os nossos filhos, netos e toda a outra geração da humanidade que virá após nós.

    Não é simplesmente que, por que vamos morrer e que, provavelmente não vamos estar aqui para ver, apesar de já vermos, a destruição total do planeta terra.

    Assim como o Leonardo e muitos outros, inclusive Jesus, eu também tenho sonhos para a humanidade, mas confesso que já sinto o cansaço de quem nem começou ainda, mas já percebe que tudo isto é utópico de mais!!!!

    Precisamos fazer, estamos fazendo, vamos continuar a fazer, mas já não tenho tanta esperança de mudança de melhoras para o nosso futuro amanhã.


    Abraços

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  2. Marcio

    Independente de ser "utópico", temos a responsabilidade de gerar essa consciência pelo menos gastar mais tempo falando mais da terra e menos do céu.

    Somos sal da terra e luz do mundo, e como tal devemos em nossos relacionamentos no trabalho, igreja, família, sendo cuidadores e instrumentos na formação de outras pessoas.

    Faça o seu, plante uma semente que deixa de ser utópico.

    Um abraço

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  3. Boff, como sempre, prossegue refletindo e fazendo teologia a partir da nossa contemporaniedade, com seus problemas e desafios, discutindo e propondo soluções que tem haver com todos nós, pois estamos todos juntos nessa aldeia global e o que atinge o japonês lá no outro lado mundo, me atinge aqui, abaixo do equador.

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  4. Era necessário uma re-visão, a teologia realmente sul-americana inverteu a tese o CORPO tornou-se seu principal interlocutor, e o diálogo não é mais a VERDADE PRÉ-EXISTENTE, firmada no IDEAL, do SER que não muda, mas, o corpo que na dor, clama: ELOI ELOI LAMA SABACTANI, e a HISTÓRIA faria a CRITICA essa teria a liberdade para RELATIVIZAR TODO O ABSOLUTO, que venha contra a VIDA, por isso tanto os “fragmentos” da ORTODOXIA CATÓLICA, quanto os “fragmentos” da ORTODOXIA PROTESTANTE, tem a seguinte epistemologia em comum: “A VERDADE É UM CONSTRUTO HISTÓRICO- CONTEXTUAL E CULTURAL”, e o CORPO é o objeto de cuidado, não mais a ALMA IMORTAL, a teologia deixou de ser SISTEMÁTICA , para tornar-se ASSISTEMÁTICA, nenhum SISTEMA poderia tentar esgotar o falar de Deus, pois o que se fala D’Ele hoje, não pode ser absoluto, a mesma fala que absolutiza o PODER DO DEUS que faz, encontra o PARADOXO, quando numa mesma circunstância o DEUS DE PODER NÃO FAZ, as circunstancias são semelhantes, mas o MOMENTO HISTÓRICO é outro.

    Não é relativizar o PODER DE DEUS, mas sim não absolutizar o SABER DE DEUS, quando o homem fala da graça ele tem DICURSO, quando a graça fala é FICA MUDO!

    Essa ruptura epistemológica dá uma nova vida a chamada TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL, onde a antropologia, não dicotomiza, não fragmenta-se em TESE e ANTI-TESE , mas sim adere a filosofia HEGELIANA, que toda TESE, tem sua ANTI-TESE, que forma uma SIN-TESE, e que novamente volta formar uma TESE e assim AD INFINITUM!

    Leonardo Boff é o que se pode chamar de mais puro na contextualização da teologia visando uma integralidade do homem, já na vertente EVANGÉLICA, que se diferencia muito pouco da tem em RENÉ PADILHA com o seu livro MISSÃO INTEGRAL: UM ENSAIO SOBRE O REINO, diversos seguidores no Brasil, não quero dizer com isso que esses sigam a risca, mesmo porque são exímios pensadores, diga-se de passagem, os melhores em minha opinião, quero mencionar pelo menos três: RICARDO GONDIM, ED. RENÉ e ARIOVALDO RAMOS, os três teólogos mais contextualizados da nossa geração.

    Abraço.

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  5. Wagner.
    Olha eu aqui no seu blog.
    Deparei com esse texto do Boff.

    Esse exímio teólogo alia a TEOLGIA, com a sua gênese que é a ECOLOGIA, Leonardo Boff não vê o homem como o SUPRA-SUMO da existência, mas sim como o ultimo ser criado dentro da cronologia da criação, o que é obvio tendo a própria ANTROPOLOGIA de acordo com o relato do GENESIS!

    Mas o interessante é notar que de todos os seres vivos denominados na evolução da vida, o mais frágil é o homem, é um dos poucos que necessita de alguns anos para que tenha um pouco de autonomia.

    O pré-suposto teológico JUDAICO-CRISTÃO deixou uma divida impagável com a humanidade no tocante a natureza, pois a teoria da superioridade do homem por ser CRIADO A IMAGEM E SEMELHANÇA DO CRIADOR, fez com que ele abusasse do poder de domínio que lhe foi outorgado.

    Por isso a meu ver, desde a década de 70 a esse “fragmento” do catolicismo, com a TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO, gerada nas entranhas desse excelente teólogo com RUBEM ALVES, MIGUEZ BONINO, JUAN LUIZ SEGUNDO, CLODOV IS BOFF, só para citar alguns, oriundos do catolicismo.

    O outro “fragmento”, veio da ala “Evangélica alguns chegam a dizer que a TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO foi como uma “resposta”, a ORTODOXIA CATÓLICA, da mesma forma a conferencia com o titulo de PACTO DE LAUSANE, tendo a frente JOHN STOOT, destacando-se no cenário sul americano o equatoriano RENÉ PADILHA, com uma magistral sistematização da denominada MISSÃO INTEGRAL.

    A MISSÃO INTEGRAL foi também uma resposta a ORTODOXIA EVANGÉLICA, pois, da mesma forma que a ORTODOXIA CATÓLICA ficava enclausurada no seu mundo do “faz de conta”, onde o CLERO é o interlocutor tendo a BIBLIA E A TRADIÇÃO como objeto da reflexão teológica, o mesmo ocorre com a ala chamada PROTESTANTE, que tem como interlocutor A BIBLIA, e a VERDADE sendo já pré –fixa, oriundos da dicotomia grega platônica, CORPO x ALMA, BEM X MAL, CÉU X INFERNO, etc...

    A ascese como geradora da salvação META-FÍCA, perdeu a META, pois como o DOGMATISMO, que numa tradução literal é a INCAPACIDADE DE DIÁLOGOR COM O DIFERENTE, se fecho para a ciência, que foi mudando a forma de pensar de acordo como o empirismo que não deixava outra opção.

    Continua...

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  6. J. Lima
    Bom tê-lo por aqui.

    A dívida judaico-cristã deixou um legado e uma dívida impagável.

    Nós acreditamos na imagem e na semelhança mas sem reflexo pra dentro. Entende?

    Poderíamos colocar umas aspas nessa imagem e semelhança e refletirmos a partir de uma nova consciência.

    Precisamos notar as imagens, seja ela qual for, como um novo samaritano que coletivamente se dobra sobre os caídos na luta da vida e os ajuda a se libertarem e a viverem mais humanamente.

    A sistematização é um mal relativamente moderno, sendo criada para ajudar os leigos a entenderem o texto, e foi em muito responsável pelo engessamento da reflexão. Junta-se a isso a teologia enlatada dos americanos, pronto, formamos idiotas “pensantes”.

    A teologia da vida, não me permite nem mais pensar em tese e antítese e quanto mais síntese, porque estaremos sempre presos ao AD INFINTUM. Isso é improdutivo e sem nenhuma praticidade.

    A vida não pode esperar, a nossa grande mãe não pode esperar, os nossos netos não podem esperar e toda discussão teológica que se ...., junto com Hegel e todos os outros.

    Precisamos de gente que faz e que verdadeiramente saiam da infinita reflexão, porque as nossas demandas são outras.

    Fico cansado de gente que fala mais não faz, de gente que diz esme aqui mas nunca vai.

    Quero citar como exemplo o frei Beto que atua com as comunidades de base, que em vez de morar em casas luxuosas, morava sempre nas próprias comunidades.

    Tentei fazer uma síntese bem existencial e contextualizada do comentário.

    Escrever é mole, mas viver aquilo que se escreve exige muita coisa de nós.

    Um abraço

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  7. Excelente texto! O ruim é que embora se fale muito em ecologia e na urgencia de mudarmos nossos habitos, pouco se faz em prol do planeta, ou até de si proprio. O que cada um de nos tem feito para que nossos proximos 10 anos por aqui sejam melhores? Ouvimos discursos, vemos documentários, observamos a natureza em furia, mas estamos todos tão apaticos quanto os chefes de estado em Copenhague. Nada fazemos, não convertemos a nós mesmos, ou seja, não mudamos o rumo. Não podemos esperar dos outros, temos que começar. Dizendo isso estou discordando do ultimo paragrafo de Boff, mas verdadeiramente é assim que penso. Não da para esperar que alguem se junte a mim para que eu faça alguma coisa.

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