domingo, 28 de março de 2010

Gloria Dei, vivens homo



O ateísmo é um fenômeno da modernidade. Foi a partir do Iluminismo que se fez a distinção entre fé e ciência, o que resultou no surgimento dos campos religioso e secular. A modernidade exclui Deus como hipótese para explicar o universo e normatizar a vida social. Enquanto a religião explica o mundo com afirmações metafísicas sustentadas pela fé, a secularização se vale do método científico que demonstra os fatos: contra fatos não há argumentos. O que a ciência não pode provar não pode ser imposto como paradigma para a vida em sociedade, é objeto de fé individual e privativa.

Copérnico e Galileu iniciaram o processo de desmanche das explicações teológicas do mundo da física. Karl Marx condenou a religião como ópio do povo e instrumento de alienação social. Friedrich Nietzsche denunciou a fé em Deus como impedimento para o desenvolvimento de uma humanidade autêntica. Sigmund Freud afirmou a busca de deus como manifestação de uma recusa à maturidade, uma opção pela infantilidade que insiste em se manter sob os cuidados de um Deus que mais se parece com um pai super-protetor.

Todos eles tinham em comum a preocupação de emancipar o ser humano da ignorância científica, a opressão social, a covardia existencial, e a infantilidade psicológica. Suas palavras negaram a Deus, mas sua intenção afirmou Deus com todas as letras. Como Queruga esclarece, o ateísmo da modernidade pode ser compreendido, não como negação do divino, mas afirmação do humano.

O tiro moderno saiu pela culatra. A "morte de Deus" matou o homem e esvaziou o universo de sentido: direção e significado. E então surgiu a modernidade líquida (Bauman), quando já se sabe que o humano não se basta, a ciência e a tecnologia não são suficientes, as ideologias carecem de suplemento de alma e a razão não abarca a totalidade da realidade: "á mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia" decretou Shakespeare.

Eis a oportunidade de resgate da religião, ou melhor do Cristianismo - o grande condenado no banco dos réus da modernidade. Agora é hora de mostrar que o sonho da modernidade se realiza no Cristianismo adulto. Somente a partir da fé e de relação com a transcendência, além dos limites da razão, o ser humano desenvolve sua plena humanidade. O Cristianismo também quer o surgimento do homem novo, ou como disse Santo Irineu de Lião, no segundo século: Gloria Dei, vivens homo - a glória de Deus é o homem na plenitude de sua vida.


publicado por Ed René Kivitz


Pare e pense

Wagner

4 comentários:

  1. Excelente texto Wagnão, o que o ateísmo conseguiu fazer de modo pragmático e satisfatoriamente, foi à confrontação a uma fé infantilizadora e alienante, mas com isto surgiu uma contra-resposta através dos pensadores cristãos que juntos estão em busca de uma re-significação da fé, e de valorização rumo a maturização da completude humana.

    É por isso que eu sou contra uma teologia de deus, mas a favor de uma teologia humanista.

    Abraços

    ResponderExcluir
  2. Gostei muito da frase do Queiruga:

    "o ateísmo da modernidade pode ser compreendido, não como negação do divino, mas afirmação do humano."

    O ateísmo moderno pode ser uma benção para que o cristianismo se supere e se torne relevante para um mundo onde a ideia de um deus pai, protetor, fiel e abençoador, não condiz com a realidade.

    Talvez seja isso:o cristianismo precisa de um choque de realidade.

    ResponderExcluir
  3. Marcio,
    O texto é exatamente a busca e resgate da teologia de Deus como você disse, a qual você é contra.
    Releia os dois últimos parágrafos.

    ResponderExcluir
  4. Eduardo,
    Não só concordo com você, como também acredito ser esse um dos caminhos a seguir para fazer do cristianismo dogmático e caído, para algo relevante.

    ResponderExcluir