quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Abuso Espiritual



Abuso Espiritual






Caminhar sobre o solo do tema abuso espiritual exige cuidado e afeto. O solo é sagrado. Não é outro senão o coração de vítimas. As vítimas estão sempre fragilizadas e carregam consigo suas dores na carne e na alma. Jesus ensina a pisar no solo sagrado da intimidade das vítimas: com a cautela amorosa de quem não quer apagar o pavio que fumega nem esmagar a cana trilhada. Implica o sopro singelo para que as chamas se recupere desde das cinzas e o carinho necessário para que as feridas encontrem o caminho da cura.
Ao longo dos anos, tenho experimentado o privilégio de oferecer meu ombro para o pranto, os ouvidos para o lamento, e os joelhos para suportar a intercessão aqueles que de alguma maneira foram feridos em nome de Deus. Carrego comigo o fardo das culpas e vergonhas (as vítimas tendem a se enxergar como responsáveis pelo abuso que sofreram), decepções e frustrações, ódios e ressentimentos, desdém e indiferenças (fingir que nada aconteceu ou que o ocorrido foi de somenos importância é uma espécie de fuga), desconfianças e inseguranças, além da inevitável crise de fé, aquela necessária revisão de tudo que foi assimilado como verdade e é colocado em suspeição no tribunal a consciência desperta e do bom senso recuperado. O dia seguinte ao abuso é sempre dia de choro. E nem todos conseguem discernir ao certo os motivos de suas lágrimas. É por essa porta entreaberta que dá acesso a um labirinto de pensamentos e de sentimentos que o pastor entre pisando leve e falando baixo, com cuidado para que o último fôlego de vida não se perca.
No quarto escuro em que os feridos em nome de Deus provisoriamente se recolhem, encontrei apenas vítimas. Confesso que inicialmente me deixei contaminar pelo ímpeto de quem clama por justiça e pelas descrições ácidas que caricaturavam os autores de abuso como monstros inescrupulosos – e infelizmente não duvido que alguns o sejam. Mas aos poucos fui percebendo e discernindo que na cirando do abuso espiritual não existem algozes ou vítimas, mas normalmente apenas vítimas, cada qual a sua maneira e própria dimensão.
As vítimas de abuso sofrem porque de repente seus olhos se abrem a enxergam quanto foram usurpadas: física, emocional, material e espiritualmente, pois o abuso nunca afeta uma área da vida, senão todas, em diferentes proporções – o abuso é sistemático. Os autores do abuso, por sua vez, também foram ou estão sendo vítima de abuso: ou reproduzem o dano que sofreram ou estão sendo manipulados como instrumentos para causar danos – por trás do abuso está o espírito daquele que vem para matar, roubar e destruir.

Prefácio do Livro Feridos em Nome de Deus
Ed René Kivitz

Seria bom que alguns se olhassem no espelho
Wagner

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