Palavra de Grande Inquisidor...
De tudo que Dostoiéviski escreveu em Os irmãos Karamazov, o que mais me impressionou foi o incidente do “Grande Inquisidor”. É assim: Jesus havia voltado à terra e andava incógnito entre as pessoas. Todos o reconheciam e sentiam o seu poder, mas ninguém se atrevia a pronunciar o seu nome.
Não era necessário. De longe, o Grande Inquisidor o observava no meio da multidão e ordenou que ele fosse preso e levado à sua presença. Então, diante do prisioneiro silencioso, proferiu a sua acusação:
Não nada mais sedutor aos olhos dos homens do que a liberdade de consciência, mas também não há nada mais terrível. Em lugar de pacificar a consciência humana de uma vez por todas mediante sólidos princípios, Tu lhe ofereceste o que há de mais estranho, de mais enigmático, de mais indeterminado, tudo o que ultrapassava as forças humanas: A liberdade.
Agiste, pois, como se não amasse os homens... Em vez de apoderares da liberdade humana, Tu a multiplicaste, e assim fazendo, envenenaste com tormentos a vida do homem, para toda eternidade.
O Grande Inquisidor estava certo. Ele conhecia o coração dos homens. Os homens dizem amar a liberdade, mas, de posse dela, são tomados por um grande medo e fogem para abrigos seguros. A liberdade dá medo. Os homens são pássaros que amam o vôo e se trancam em gaiolas.
Um bando de patos selvagens que voavam nas alturas. Lá em cima era o vento, o frio, os horizontes sem fim, as madrugadas e os poentes coloridos. Tudo tão bonito! Mas era uma beleza que doía. O cansaço do bater das asas, o não ter casa fixa, o estar sempre voando e as espingardas dos caçadores... Foi então que um dos patos selvagens, olhando lá das alturas para a terra aqui em baixo, viu um bando de patos domésticos. Eram muitos. Estavam tranquilamente deitados à sombra de uma árvore. Não precisavam voar. Não havia caçadores. Não precisavam buscar o que comer: o seu dono lhes dava milho diariamente. E o pato selvagem invejou os patos domésticos e resolveu juntar-se a eles. Disse adeus aos seus companheiros, baixou o vôo e passou a viver a vida mansa que pedira a Deus.
E assim viveu por muitos anos. Até que... Até que, um ano como os outros, chegou o tempo da migração dos patos. Eles passavam nas alturas, no fundo azul do céu, grasnado, um grupo após o outro. Aquelas visões dos patos em vôo, as memórias de alturas, aquelas grasnadas de outros tempos começaram a mexer com algum lugar esquecido dentro do pato domesticado, o lugar chamado saudade. Uma nostalgia pela vida selvagem, pelas belezas que só se vêem nas alturas, pelo fascínio do perigo... Até que não foi mais possível agüentar a saudade. Resolveu voltar a ser o pato selvagem que fora. Abril as asas, bateu-as para voar, como outrora... mas não voou. Caiu. Esborrachou-se no chão. Estava gordo demais. E assim passou o resto da vida: em segurança, protegido pelas cercas, e triste por não poder voar.
Somos assim. Sonhamos o vôo, mas tememos as alturas. Para voar, é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o vôo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas e isto que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o vôo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.
É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que eles não são livres porque um estranho os engaiolou, que eles voariam se as portas das gaiolas estivessem abertas. A verdade é o oposto. Não há carcereiros. Os homens preferem as gaiolas ao vôo. São eles mesmos que constroem as gaiolas em que se aprisionam.
Deus dá a nostalgia pelo vôo.
As religiões constroem gaiolas.
As religiões são instituições que pretendem haver colocado numa gaiola o Pássaro Encantado. E não percebem que o pássaro que tem presos nas suas gaiolas de palavras é um pássaro empalhado.
É por isso que, no Antigo Testamento, era proibido falar o nome de Deus. Hoje, ao contrário, os religiosos não só falam o nome sagrado como também escrevem tratados de anatomia e fisiologia divinas. E proclamam que o pássaro só pode ser encontrado dentro de suas gaiolas. Religiões: uma enorme feira onde se vendem pássaros engaiolados de todos os tipos.
Os hereges que as religiões queimam e matam não são assassinos, terroristas, ladrões, adúlteros, pedófilos, corruptos. Esses são pecados suaves, que podem ser curados pelo perdão e pelos sacramentos. Os hereges, ao contrário, são aqueles que odeiam as gaiolas e abrem as suas portas, para que o Pássaro Encantado voe livre. Esse pecado, abrir as portas das gaiolas para que o Pássaro voe livre, não tem perdão. O seu destino é a fogueira. Palavra do Grande Inquisidor.
O infinito na Palma da Sua Mão
Rubem Alves
Depois de ter lido isso, Nunca mais serei engaiolado.
Sem medo da liberdade.
Wagner
O infinito na Palma da Sua Mão
Rubem Alves
Depois de ter lido isso, Nunca mais serei engaiolado.
Sem medo da liberdade.
Wagner
Já te falei para você não colocar testos desses caras, (Caio, Boff, Rubem etc), pois eles são muito bons, e por isso eu não leio, ainda mais se vier com um comentário desse gigante russo que é o Dostoievski.
ResponderExcluirEu acho que foi com ele que eu comecei a acreditar na graça escandalosa, lendo o livro: crime e castigo, show de bola, muito melhor do que as melhores pregações protestantes.
Agora quem vai gostar desse tema: liberdade é o Marcio, eita alma sedenta de vôos mais altos e, mais perigosos.
O Waguinho!! eu já tinha conhecido o seu blog bem antes de ver você embrenhado nos comentários junto com o Marcio e Eduardo, mas só pelo fato de você não por parágrafos no textos eu não voltei a vê-lo, pois internet cansa e ler textos sem parágrafos cansa mais ainda.
Fala meu amigo Gresder.
ResponderExcluirVocê não cansa não. Quem gosta, descobre os segredos do texto que está de uma forma para protegê-lo dos intrusos.
A turma da reflexão tem outro nível, e pode crer que não estou puxando o saco.
Um abraço
Tá parecendo o argumento de Nietzsche que dizia que escrevia de certa forma para selecionar seus leitores. Aquele sim era metido rsrs
ResponderExcluirSe o texto fosse meu, até poderia ser.
ResponderExcluirMas vocês são parte dessa seleção rsrsrsrs
Ô Gresderzinho, você não cansa de analisar as pessoas? Tá parecendo psicanalista. Rsrsrsrs
ResponderExcluirRealmente eu sou permeado pela liberdade.
Liberdade de ser e não ser se quizer ser ou deixar de ser para ser o que quer ser.
Liberdade de pensar, refletir, inventar, discordar, concordar e analisar.
Liberdade de fazer o que se quer fazer, pois não podemos deixar de fazer porque não se deve fazer se queremos fazer então devemos fazer.
Liberdade de existir e não existir para o existir da existência social.
Liberdade de sonhar os sonhos insonhaveis dos sonhadores.
Liberdade de amar e não ser amado, amando o amor.
Liberdade de voar nas asas do vento.
Liberdade para ser livre da liberdade de ter que ser livre.
Liberdade para o Deus livre da libertadora liberdade das gaiolas humanas.
Liberdade, há como amo a liberdade!
Abraços libertadores. rsrsrsrsr
Pois é...
ResponderExcluirÉ verdade que somos nós mesmos que entramos nas gaiolas de segurança e lá ficamos vendo os outros voarem. Mas as forças socias e religiosas também fazem seu papel nos convencendo que é lá na gaiola que devemos morar. A gaiola da ortodoxia é seguro, é definitivo, é a última palavra.
Portanto, não pensem fora dela, pois fazer isso, é abrir a porta da gaiola. e quando você o faz, sempre encontrará um inquisidor de arma em punho apontando para sua cara. Quer saber? à merda os inquisidores!! Deixem-me voar livremente e se for preciso, bater de cara na montanha.
p.s. lembro dessa passagem dos Irmãos Karamozov, mas confesso que parei a leitura no meio do livro e o esqueci na estante. Eu sei, foi um pecado que agora me redimo: hoje mesmo começo a ler a outra metade desse monumentoso livro.
Abraços
Ta bom Marcinho!! se eu fosse mulher você me ganhava com essa sua escrita charmosa... mas acontece que eu sou macho... caramba porque será que eu estou afirmando isso de novo, será falta de segurança com a minha masculinidade kkkkkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirAgora qure saber Wagner por que as pessoas nao gostam de serem patos selvagens?
Porque na verdade não querem pensar sua fé, pois pressentem que toda a sua virtude e segurança estão firmados em solos movediços, e para repensar ( voar livremente) seus conceitos, elas teriam que ter fé mais profunda e caráter mais verdadeiro, coisa que realmente muitos não tem.